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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Falar da Morte ... Aceitar ...


Naquela noite, a Fada tardava. O Menino aguardava na maior ansiedade... o dia havia sido repleto de emoções; de descobertas... Tantas questões que tinha para colocar à sua Fada.
Um em especial, borbulhava-lhe no espírito inquieto: A Morte... O Suicídio. Ouvira num programa de Rádio, que o vocalista de uma Banda (escrevera o nome no seu caderninho) se havia suicidado com apenas 25 anos. E de uma forma tão estranho, com uma corda...
Mas as cordas não serviam só para atar os molhes de lenha, que mãe levava para casa e para o seu baloiço, lá no fundo do quintal? Na oliveira maior... aquela, que fora o avô do avô a plantar?
Não entendia... E mais a mais, se era cantor?...
Então quem canta não está contente? Ele só cantava quando estava muito alegre. Verdade seja dita que mãe cantava quando estava muito aborrecida e até já a ouvira dizer vezes sem conta: “Quem canta, seus males espanta... ”… (3)
Seria esse o caso? ...
O menino estava muito inquieto!
Para além disso, haviam dito também que o tal vocalista padecia de uma doença estranha... Epilepsia (seria isso?)...
Epilepsia... Outro palavrão para perguntar à Fada... sim, porque só mesmo ela lhe seria capaz de explicar estas coisas.
A impaciência atormentava-lhe o seu pequeno coração. Olhava vezes sem conta através da cortina que separava a janela do Mundo lá fora… A Fada tardava … A Fada Karmelia…
Sim, ou simplesmente … Fada Lia … ou Karmel como ele “Nevoeiro” gostava de lhe chamar … Karmel, do Hebraico … ( Jardim dos Deuses).
Seria lá que morava a “sua Fada”?
E porque se demorava tanto? Contava os segundos um a um na impaciência, enquanto no seu pequeno MP3 ouvia a canção que havia gravado … O seu inglês era ainda reduzido, mas entendia … ou pensava entender …

“A change of scene, with no regrets,
A chance to watch, admire the distance,
Still occupied, though you forget.

Different colours, different shades,
Over each mistake were made.”
(1)

De repente, envolta num manto de estrelas fosforescentes, Karmel chega … Todo o quarto adquire uma luminosidade mística.
A Fada dobrasse sobre si própria e ao lado dele. Com a doçura de uma brisa de Verão, beija o seu menino, bem no centro da testa, ali onde os pensamentos se misturam com os objectos … Onde os olhares se descodificam, os objectos captados através do olhar readquirem o posicionamento original, se converte o invertido através do prisma óptico … (a professora falara disso um dia …).
Tudo se torna tão limpo na sua mente … A SUA Fada.
- Fada, Fada, queria tanto que tu chegasses, tenho tantas perguntas para ti… gostas de música que eu sei, diz-me quem canta está triste?
A Fada olhou o menino apreensiva… de onde surgia tal questão? Estava já habituada à precocidade do seu menino, mas porquê tão estranha forma de iniciar a conversa? Incentivou-o a prosseguir!
- Meu querido… a tristeza é um estado de Alma (já te falei no sentir com a Alma)... Em que o Mundo parece todo coberto de uma fina camada de pó ou uma maresia ou mesmo de um denso nevoeiro …
- Eu sou o Nevoeiro, Fada …
- Tonto, tu és um menino Sol … nada de nevoeiros … Claro que tens dias em que ficas triste … Por exemplo, o dia em que caíste da tua bicicleta e partiste a perna …
- Fada!!!! Esse dia não foi Nevoeiro!!!! Foi muito pior … Foi Noite!!!! Noite sem ti Fada!!! Noite escura… porque a minha bicicleta se aleijou … e eu também!!!
- Tu aleijastes-te … e muito! Tens ainda a perna partida … estás aqui, sem puderes ir ver o Sol e brincar na Chuva … A tua bicicleta, é de metal… ficou apenas amassada, sem sofrer dor … Bem, não sei … talvez … mas deixa para lá, não te quero confundir … Fala-me das tuas dúvidas…
- Fada …. Eu sei um bocadinho de Inglês e gosto de música e ouvi na rádio que o … espera Fada, dá-me o meu caderninho, está mesmo ao teu lado, aí na minha escrivaninha … Sim o … Ian Curtis, o vocalista dos Joy Division se suicidou … e era muito novo … disseram, 23 anos … Fada eu fiquei muito triste … só tinha mais uns anos que eu … bem … mais uns … alguns … e, Fada, tinha uma voz tão bonita, como os anjos … Fada … ele, era como eu … eu sou nevoeiro (sou Fada) ele nasceu em Inglaterra … está sempre nevoeiro, a Professora disse … seria por isso que era triste?
- Meu querido???? Que loucuras te vão na cabeça! Em Inglaterra, como noutros lugares, existem pessoas tristes e pessoas alegres… Claro que o clima influencia o espírito das pessoas, mas não podes ver as coisas de forma generalizada. Sabes o que é “generalizada”, não sabes? Todos iguais! Somos todos iguais, apenas em direitos e deveres, porque em relação à nossa identidade, somos todos diferentes e temos que ser olhados como diferentes … chama-se a isto: Equidade … tratar cada um com respeito pela sua diferença, dentro dos mesmos valores sociais … Entendes, meu querido?
O menino absorvia como uma esponja cada palavra que a sua Fada lhe dizia. Tê-la ali, falar com ela, de igual – a Fada tratava-o com "Equidade"? - era, na verdade, o melhor momento do seu dia…
- Sim, Fada, eu entendo … mas, então senão foi pelo nevoeiro, porque foi Fada? Ele era … espera, eu escrevi … “Poeta mais do que músico, génio para muitos” – foi o que a senhora disse na rádio … Era um Génio …
- Sim, meu querido, era certamente um génio, alguém com dotes especiais, com uma mente brilhante …
- Mas Fada, se era … porque se matou? Eu quero Viver … muito … Fada, mas só se tu gostares de mim…
- Tonta criança, já te disse que te quero muito, muito mesmo, estarei sempre por perto …
- Fada … eu quero que TU ME AMES!!!!! Eu já disse, estou apaixonado por ti…
- Meu querido, és um menino tonto … apenas te sentes bem com a minha companhia … quantas vezes te tenho de dizer que nós não amamos as pessoas pelo que elas são, mas pelo que nos fazem ser, quando estão connosco? E, querido, tu comigo … sentes-te entendido, compreendido e … amado. E por isso pensas que me amas …
- AMO-TE Fada! … Tá bem, desculpa…
E, dizendo isto, sorria malandro, encobrindo o rosto com o manto azul do céu … sorria ... sorria ... a Sua Fada, ele sabia, amava-o, que ele sabia ... só nunca lhe dizia, mas ele sabia sim...
- Tá bem, Fada, não te falo mais nisso … quero saber mais … O que é … espera, eu vou ler … “Epilepsia” … ele tinha isso!!!
- É uma doença, meu querido, não física, como a que tu tens (ossos quebrados), mas uma doença em que a mente comanda os músculos de uma forma desordenada e, no fim, as pessoas que a têm ficam com muitas dores … um grande cansaço, como se tivessem feito muitos e muitos quilómetros de bicicleta, por exemplo …
- Então ele ficava mesmo muito cansado… eu só vou à Vila e venho e dóiem-me bués as pernas …
- Sim, querido, ficava … e como isso lhe acontecia muitas vezes, a sua mente ficou também muito cansada … Talvez tenha sido por isso … Talvez ...
- Fada … tenho tanta pena! Eu gostava que pessoas como ele vivessem para sempre …
- E vivem, meu querido … vivem em cada um de nós, nas sementes que deixam… estás a ver? Estamos aqui há tanto tempo a falar dele … ele vive em ti, vive em mim … e em tantas outras pessoas … Quantas vezes, meu querido te tenho de dizer que quem ama nunca esquece? E o teu coração começou hoje a amar Ian, certo? ...
Vais ouvi-lo muitas e muitas vezes … a sua voz vai gerar raízes no teu coração de menino, as suas palavras serão sementes de outras novas palavras que irás pronunciar ao longo da tua vida … Ian, viverá para sempre … porque o tempo que viveu fisicamente, foi um Ser de Luz… (Sabes o que é, não sabes?)...
- Como tu, Fada …
- Não meu querido … como tu!!! Tu que pensas e tentas aprofundar os teus pensamentos … tu que escreves as palavras difíceis no teu caderninho e procuras mais tarde perceber o seu significado…
- Sabes, Fada … já estou menos triste … se me dizes que o Ian não morreu … eu acredito! Acredito mais em ti, que na Senhora da Rádio. E fico mais feliz...
A Fada sorriu. Uma lágrima ameaçadora emergiu dentro dos seu olhar ... Não, não poderia chorar, ao lado do seu amigo. Jamais...
Quedou-se ...
Como explicar a um menino ainda tão pequeno que a Vida encerrava tantas dualidades? Tantos antagonismos? Que o sucesso nem sempre é sinónimo de felicidade e o seu inverso também se verifica? Que a doença se pode tornar tão insuportável que o ser humano pode em certos momentos ambicionar a morte? Desejar a morte? Provocar a morte? Que o apelo do abismo existe em todos nós; que só o amor, a amizade, podem evitar a queda … evitar apenas, que em muitos casos, nem sequer estes sentimentos são suficientes … Como? ...
Afagou-o ternamente, uma e outra vez ... continuadas vezes ... sempre e para sempre ... estaria sempre ao seu lado, pensou intimamente.
A música, essa continuava; O menino ouvia atentamente …
A Fada sorria, aconchegava-lhe a roupa e preparava-se para partir … O som enchia todo o quarto… vindo do Além, numa toada de “elevação espiritual” ...
(Não era assim que lhe dissera um dia a sua Fada? Elevação espiritual .... olhar dentro de si e entender-se ... melhorando, sempre ... ).
Sim ... O caminho ... a Viagem Eterna ...
O deixar cair uma a uma as máscaras e aceitar quem se é na verdade, melhorando ...
Olhar o Mundo através de novas lentes ... elevando-se!

(...)
“I took the blame.

Directionless so plain to see,
A loaded gun won't set you free.

So you say.

We'll share a drink and step outside,
An angry voice and one, who cried,
'We'll give you everything and more,
The strains too much, can't take much more.'

I've walked on water, run through fire,
Can't seem to feel it anymore.

It was me, waiting for me,
Hoping for something more,
Me, seeing me this time,
Hoping for something else...."
(2)

1 e 2 ) - Poema dos “Joy Division”
3) Adágio Popular

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...