Sobre mim ...

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Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

sexta-feira, 31 de julho de 2009

In_continência!

Entre um compromisso e outro, quatro horas de espera.
Deambulo. Das Descobertas ao Parque das Nações. “Vasco da Gama”…

A viagem é, sem que o saiba, ao epicentro do verbo. In_continências; in_confidências…


Vem-me à memória a frase da contracapa de “No teu Deserto” …
É sempre no silêncio que mais me encontro e que me sobe febril a necessidade absoluta de “parir verbo”. Verborreia. A minha? Claro, é disso que falo. Dos demais apenas, porque deformada profissionalmente, observo. Analista social.

Entro no Gato Preto. Enquanto olho a traquitanada que já não me aconchega a alma, oiço-a. Desabafa mágoas com uma das empregadas. Olho-as de soslaio. Ambas. E sinto pena. Não dela, particularmente, mas que, de um modo generalista, assim seja. Que se sinta absoluta necessidade de que nos ouçam, a desprazer e a contra gosto, porque o “cliente tem sempe razão”, ainda que, como no caso, o assunto em contexto não caiba. E de quem, por outro lado, assim se expõe por lapidar certeza de que, em mais algum dia de sua vida, o estranho que está ao lado - ao caso a empregada -, o volte a olhar sequer, e deste modo se revele, esventrado nas suas mais nuas fragilidades… Chove-me o olhar. Retenho a chuva. Há muito que sou "deserto". Se chuva houver será de areia. E essa, meu amigo, decapa, como sabes, até a pele remota de um qualquer umbigo.
Divago, claro! Eu bem digo: crónica do absurdo.

Discretamente olho-as. Traço as linhas, as coordenadas. Os pontos absolutos de onde deferiam derivar todas as rectas. Linhas desta cidade, pelo Marquês, sabiamente projectada.

Remexo as almofadas. Em promoção, seduzem-me umas, entre o cetim e o veludo. Um fio de luz brilha. Dá-lhe toque suave. Decido, determinada, que as vou levar. Não que todo me façam falta. Mas porque me apetece numa época de crise ser do contra e gastar …
Eu, cronista do absurdo. Gastadora confessa....
Intimamente, sorrio. Não, não será só por isso. Mas também, devo confessar…
Aproximo-me resoluta. De ambas. Deliberadamente interrompo a conversa. Não permito quem, por frági,l assim se exponha, se não proteja. Vejo nos olhos de quem escutava um alivio singular: liberta, por fim…
Avanço:
- Gostaria de pagar, mas pf., guarda-mas até por volta das cinco horas. Tenho ainda um compromisso …
- Decerto… atendo já, desculpe…
Afasta-se a mulher. Saí. Instala-se-me a dúvida: Será que agi bem?? De nada tenho sempre certeza absoluta… desabafar não lhe faria falta? Mas ali????Inapropriado o lugar.
Como para se justificar, a empregada:
- Peço-lhe desculpa, não lhe ter dado atenção …
- Não se incomode. Percebi tudo. Não pude deixar de escutar a vossa conversa. Oiço demasiado bem. Demasiado bem… é como se tivesse em cada poro um ouvido…
Ri-se. Diz que então terei sexto sentido. Não confirmo nem desdigo. Pago, reservo e saio, com o meu “muitíssimo obrigada. Como lhe disse, voltarei então mais tarde …”

Deambulo de novo.
“Vitaminas”. Escolho o prato. Líquido que o calor aperta. Sufocam-me magotes de gente. O computador que nunca de mim se ausenta, mínimo, pesa-me agora mil e uma toneladas. Detesto-me por me carregar com absolutas banalidades: - agendas, blocos de notas, estojos de maquilhagem, escovas de cabelo e de dentes e sei lá mais quê, se nada, ou quase nada, desde que saio até que entro em casa, uso sequer...

Absurda. Eu!!! Absurdo o rumo…
O sol a pino. Procuro a esplanada. Cheia. Uma família levanta-se. O cavalheiro avista-me e oferece-me a mesa. Sorrio, avanço, aguardo, agradeço.

Sento-me predisposta a gastar ali os últimos cartuchos de uma manhã vazia de cheia. Ou talvez não…E vejo-os. Procuram, como eu há escassos minutos, uma mesa …
Olham-me. Nada dizem. Tímidos, deduzo…
Solícita, ofereço-lhes lugar. Avanço num sorriso cordial:
- Se para vós não for incómodo, para mim não é. Fiquem confortáveis pois.
Sem uma palavra sentam-se. Ambos à minha frente. Lado a lado. O McDonald’s no tabuleiro. O louro fugidio dos cabelos dela. As nuances da moda. As pulseiras, os anéis.
O telemóvel, último grito. De ambos. Sobre a mesa.
De preto ele. Vestido. Armani? Talvez... Contrafacão, porque não? Da Feira de Carcavelos ... Pode até ser...
Atento, discretamente. Relógio com vários cronómetros, a pele verdadeira na bracelete.
Tento maquinalmente, não aplicar a celebérrima “teoria do rótulo”, mas o caso é por demais evidente. Estes entram em catálogo directamente…

As vitaminas embaraçam-se-me em boca. Dificuldade de engolir sapos vivos ou mortos … verdes, de igual modo. Pegajosos...
Falam um com o outro. Sem contenção. In_continentes. Sem discrição. Sem...
E eu? Sei que nos últimos tempos emagreci realmente, mas será que para além de magra, estou de_veras transparente? Não me viram?
Não me ouvem?
Sequer no movimento arritmo dos talheres, no toque mais assanhado que faço propositadamente com a faca contra o prato? Terei de, num ataque de fúria, ranger os dentes??? Contra o copo!!! Contra o prato???
Cortar os vegetais a martelo e escopo???!!!É só o que falta. Basta!

contra factos, menina, não há argumentos” - relembro-me.
Falta de chá no berço, não entendes???
Se entendo. Se entendo.... Mas por mais esforço que faça, entedio-me como esta “gentalha” que se assim se insinua "gente", como se tivessem superiores capacidade e a mim, me fosse determinado, o dever de ser-lhes indiferente …
Eu a incomodada? Eu a que não devia estar ali! Captaram-me a atenção? Conseguiram, melhor? "... Ah, que pena ... É de outra geração."
E o raio de "porra" é que conseguem. Pela negativa. Mas sim. Captaram-me a atenção.

- ... as batatas estão carregadas de sal …
- ... esquece! Rega-as com Ketchup … (a loura...)
E logo no sorriso insinuado:
- Queres Ketchup?… vê lá ...
Ele embaraçado. Mudo. Por momentos. Curtos, contudo... Na verborreia incontido.
E ela? Sem rodeios! Carro a alta cilindrada, a vertiginosa velocidade, sem servofreio.
Fala do Salvador agora com ano e meio. Ele da namorada que já era. Do efeito dominó ...
- a família dela? ... os meus pais? Claro que não gostaram. Mas a vida é minha.!!! ...Trabalho? temos tempo, nem quero pensar nisso...
Ela do marido, viciado em jogos de computador.
- ...trinta anos, percebes? Não desliga… aquilo é vicio.
Trocam palavras entre dentes sobre as farpas que os atingem. Justificam-se. Um ao outro. Um no outro, in ...
Não a mim, como referi, transparente ...

Como se sentada no cinema, vejo a tela, o enredo, o esquema. O jogo todo. A vitamina não passa. Nauseia-me a verborreia. A falta de tacto e o desmerecimento. Mútuo. E aquele com que presenteiam os ausentes. Na verborreia incontinente do verbo…
Ela, a loura falsificada, insiste: … queres Ketchup??? A conversa prossegue a despudor... na palavra enrolada em maionese e mostarda. O sal bastante.

Guardo lentamente os meus pertences. Levanto o tabuleiro. O prato meio ainda. O Pavilhão Multiusos em frente.
Afinal aqui também há actores e peças. Puzzles de vidas incompletas...

Insuportável, o ambiente. Estou a ficar demasiado tensa.
Penso se lhe agradeça a companhia, se ignore e nada diga, ou se lhes sove a cara pérfida com luva de pelica, com um sonoro
“passem bem, tenham um excelente resto de dia. Evitam de me agradecer a mesa, a companhia...”.

Opto pela terceira. Já de pé. Olhou-os a ambos dextramente em olhos! No meio da testa. Sou dextra e nem sabia...
Solto a frase que me salta e pula urgente na garganta.
Sequer olho para trás, não quero ver o efeito, ouvir a não_resposta. O desconcerto, induzo.

Desta vez, arquivei o caso!
Rotulei e não me arrependi…
Afinal existe sim: Aplica-se muito bem aqui: Teoria do Rótulo... "Geração rasca".
Por falta de princípios, de valores. Íntimos e interiores. O dinheiro, comprovadamente, per si não nos traz nada.

O rio em frente.
Duas da tarde. Saco do portátil e, antes que a memória apague: escrevo … crónicas do absurdo. Absurda de mim, se me revelo aqui e não mais sou que palavra

"...no teu deserto"(1)
- “Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares demais, já não escreves, porque não te resta nada a dizer”…

… A caminho do segundo compromisso! Não falto a um compromisso. É ponto assente. O que assumo, assumi. Tudo o resto, deixo a cargo do destino.
O meu?
Ficou esta manhã traçado. A bisturi…

(1) Livro de Miguel Sousa Tavares

terça-feira, 28 de julho de 2009

Teoria do Rótulo - "Helga"

Sentada à minha frente, num banco ligeiramente mais baixo, escrupulosamente fardada, após os primeiros minutos de "cordialidade forçada", directivas dadas - as minhas - sobre o trabalho a fazer: cor, forma, cutículas e tratamento desejado, com um sorriso tímido, ia, aos poucos, tentando “meter conversa” como se diz na gíria:

- Desculpe, não leve a mal, a senhora é Doutora... É Doutora de quê? …

Expliquei. Displicentemente. Sucintamente. Era a segunda vez que estávamos uma perante a outra. Com nova gerência, novo pessoal, o salão acusava os efeitos colaterais da crise e os imediatos do Verão. Ou o seu inverso, talvez mais o caso.
Helga, conforme o nome em bata, tinha traços miscigenados. Poderia ser africana, brasileira… Mas radicada cá há vários anos … Quase sem sotaque. Presumi angolana. Erro crasso, como concluí depois.

Helga é moçambicana, nada e criada em Maputo, fez questão de sublinhar. De ascendência diferenciada onde o sangue europeu mais "ariano" - da Europa Central - se mesclou com o Italiano e com o Goês. Ao longo de várias gerações.

Os olhos verdes, a pele clara e cabelo encaracolado fazem dela alguém de quem se guarda memória, se não esquece. Todavia não razão suficiente para que me levasse a que escrevesse esta crónica do quotidiano…. Razões? Outras…

- Sou Socióloga… Doutoranda na área da Educação … Formadora, sei lá mais quê ...
- Ah, sim. Sociologia. Entendo. Parecido com Assistente Social, não é? Trabalho de observar as necessidades do social e procurar responder, encaminhar…

Acabava de me captar de todo, atenção!
Olhei-a de um modo diferente e, intimamente, dei-me conta que, eu, a tal que tenta não tecer juízos de valor, fizera uma leitura prévia de Helga. Uma ideia estereotipada e pré-feita e, de um modo grosseiro a catalogara num catálogo desapropriado...
Ou seja, porque esteticista de um “lugarejo” deduzi que, estar a explicar-lhe, do ponto de vista cientifico o que são ou devem ser os sociólogos, seria perda rotunda de verbo e tempo.
Sendo sexta-feira, fim de dia e eu esgotada, mais ainda. Silêncio fora, o que, ao transpor a porta do salão mais desejara e, por “consequência” aplicara a célebre “Teoria do Rótulo”.
Incomodada comigo própria, tentava justificar-me...

Helga, sem desviar o olhar das minhas unhas, continuava:
- … aos diferentes grupos, não é Drª?., toxicodependentes, prostitutas, crianças, idosos… pessoas em risco…
- Sim, Helga, tem toda a razão. É, ou pode ser esse, o trabalho de um sociólogo. Ao caso, como sabe, trabalho em formação, trabalho com quem trabalha com e para os idosos… mas também já trabalhei com jovens adultos, com adolescentes, com desempregados, etc …

Olhava-me agora embevecida. Sedenta de saber. Mais, mais...
Não por mera “cusquice”, mas por genuína vontade de entender mais e melhor o Universo que a rodeava. Entremeava, mostrando o trabalho:

- ...estão bem assim? Quer que arredonde os cantos ou prefere que as deixe rectas?…
- ...estão óptimas, se bem que curtas … mas disso, a culpa é minha, detesto luvas …

Sorriu. Falou-me de como viera para Portugal, após a independência, dos seus cinco irmãos (apenas 3 vivos), do seu saudoso pai, falecido em seus braços, literalmente. E de sua mãe, Cândida, que, no dia imediato completaria oitenta anos…

- Está num Lar, Helga?
- Lar, Drª?... Só se de todo nós não pudéssemos… a mãe no Lar? Não, vive comigo, escolheu a minha casa. Quando mudei criei condições para ela com a ajuda das minhas irmãs. Tem quarto com casa de banho só sua… e, faz tudo em casa. Rija... Quer. Fá-la feliz sentir-se útil. E eu, fico feliz com isso. Jamais se diz doente.
Tem saúde de ferro. E tantos desgostos passou… mas, Drª, como ela diz, foi uma mulher muito amada e isso faz muito bem à alma, sabe? Eu quem lhe dei a má notícia… do falecimento de meu pai. Sofreu muito. Eles se estimaram até ao último dia. Uma pneumonia mal curada e, como lhe conto, morreu-me em braços… a caminho do hospital. Foi assim....

(nebulosos os olhos, firmeza no trabalho, continuava...)

- ... meu pai, homem lindo, branco como a Drª, muito viajado (dos Caminhos de Ferro de Moçambique), amava-a muito; sempre que voltava lhe trazia de prenda um baby-doll… isso mesmo. Uma peça de lingerie. Todas lindas...

Sorria. Sorri.

- ... da Rodésia, da África do Sul… de onde fosse. Lindos. Minha mãe nos conta, a nós raparigas, que se fosse hoje, teria sido melhor amante. Que ele era fogo…vulcão, lava...

Sorria de novo. Sorriamos, ambas. Numa cumplicidade de mulher, sem status, sem barreiras ...

- ... vive agora das memórias desses tempos, Drª. Fomos criados com muito amor. Frutos desse amor… Todos diferentes. Na cor e no temperamento… mas unidos em laços que nem a morte separa…
Pintava-me nesse momento as unhas. Vermelho, como sempre.

- .... vermelho é fogo… gosto de lhe ver. Fica bem, sim…

A curiosidade agora era minha. Muita. Mais que muita. Saber mais dela.
- Gosta de ler, Helga?
- Claro, muito. Que leio? Um pouco de tudo. Desde Parapsicologia a Ética e Comportamento Relacional … ah, não se ria de mim, Drª… e, claro, poesia. De amor… Sophia, Eugénio de Andrade…

Era Fernanda, a dona do salão quem sorria. Conhecemos-nos de há muitos anos. De outros palcos, de outras guerras. Reencontradas agora, acidentalmente, com a sua tomada do salão...

- …terminei! Veja se estão a seu modo.

Olhei Helga de frente. Anui com um ligeiro aceno, sorrindo. Passei para a calha de lavagem de cabelo … O ângulo de visão, com a cabeça pendular, desconfortável. Apesar disso, fui dizendo:

- Helga, na próxima semana trago-lhe um livro…

Fernanda, a meu lado, enquanto a "menina das lavagens" colocava a máscara revitalizadora, cúmplice, continua a sorrir...

- “No princípio era o Sol”…. de uma amiga. Ofereço-lhe, se me permitir… Para que a divulgue, deu-me vários. Tenho ainda um ou dois lá por casa … vou procurar.
- Obrigada, Drª… E a sua amiga não se importa?
- Helga!!!! Claro que não. Creio até que vai adorar saber que a lê. Não se esqueça de parabenizar amanhã por mim a senhora sua mãe ... Oitenta anos é obra...
- Por certo. Muito obrigada... Não esquecerei.

Estava na hora de cerrar portas. Sete da tarde. A cabeleireira finalizava por fim o penteado. Despedi-me com um "obrigada a todas, até mais ..., bom fim de semana!", paguei e sai….
Entrei no carro. O calor provindo da Lezíria estonteava-me os neurónios. Abri ambos os vidros, sem ar condicionado… Desalinhei os cabelos. Em rigor, pouco importava. Não antevia ir a algum lado. Desejava o sofá, o miar da minha gata Xiluca, com quem, por certo iria "embirrar" ... "saí daqui, Xiluca, bolas, saí... dá-me espaço para me deitar, julgas-te a dona de tudo? tens a casa o dia todo, saiiiiiiiii" ..." e ela, como sempre, a ignorar-me. Felina, fazia o que lhe dava na gana....

Liguei a rádio...
"Baile de Máscaras", Antena 2 ...

Na próxima semana arrancaria a minha... estava prometido. O Sol de Julho a findar ainda não tombava no colo do meu rio!...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Esta noite não escrevo ou "Carta ao Mar!"


Esta noite não te escrevo. Estou cansada!
Encosta o ouvido ao meu coração e ouve-o murmurar. Terás de estar muito atento, que fala moderadamente, numa cadência gemida e quase, quase, inaudível. Está esgotado também.

O Inverno - o teu e meu Inverno -, já se anuncia ou quiçá já se instalou. Sinto-o dentro de mim. Nas veias o sangue corre lento, plasmado, quase congelado. No rosto que me olha em moldura, na mesinha de cabeceira, não me reconheço… Sequer a forma de lua-cheia… está agora ovalizado. Sinto-me lentamente a definhar, a perder o viço, a cor. Empalideço. Da flor vermelha resta uma imagem a preto e branco… Sequer me espanto ou entristeço. Da vida, essa, sei-a, como um eterno recomeço. E em memórias enterneço.

Nota, não, não temo o tempo; é um estado lento, avançando de fora para o interior. Apenas me dói o cansaço de ver unissonância de olhares, olhares parados, baços, vítreos e quebradiços, andarilhos sem missão e objectivos, nas praças, nos supermercados.
Rostos que vagueiam solitários, sem sentido, e imaginar que o meu estará também a ficar assim. Sinto-os que não daqui, dali, ou sequer de algum lugar. Se perdidos, ninguém iria por eles indagar… Em última instância, fariam parte dos "anónimos mal parados". Decrépitos. (Des)créditos. E dou comigo a pensar que sequer algum dia foram ou serão seguidos pelo Homem do Fraque. Mercadoria sem valor de troca fiduciária …
Ei-los aqui: Resmas. Pilhas. Anónimos desembarcados em cais sem bilhete de voltar…
O rio ao lado.
No Colombo, no Vasco da Gama ... sob a capa e sob a égide de nossos heróis mareantes.

Também cansaço, sim, de ver outros, devassos, crápulas, que sem respeito me invadem. ... Se não me despem com o olhar, nojentos, roubam ou tentam roubar o que me resta de lucidez e me faz escrever linhas analépticas de palavras, estas em que me purgo da concupiscência com que me envolvem.
Esses, atípicos, quero ainda acreditar, ignoro-os. Sequer lhes atribuo-o condição de gente. Mas dói-me e cansada fico também ...

A este estado chama-se “tomada de consciência”.
Sabes, quando aqui se chega, a esta hora da vida, tomamos a pulso o destino, medem-se causas e efeitos, e até os nossos feitos, mais liminarmente, em medidas só nossas. Encontramos incorporalidades em ideologias e temporalidades nas direcções de voo. Somos quem somos e pouco nos importa o que de nós pensam os outros…

Neste tempo de “Inverno“, sou capaz de me copiar, replicar, duplicar, de me repetir nos meus cinco sentidos e para além deles ... Li algures que sendo cinco, nos dotam com dois pares de asas e meio – logo dando origem aos mais vastos desequilíbrios ...
De todo te garanto: não é o caso!
O destino foi, nesse aspecto, comigo, para além de generoso: dotou-me de seis... tenho um sexto e aguçado sentido, aquele que te pressente aí e aqui, coladinho a mim, neste peito a ouvir uma a uma as notas serenas com que te falo ...

Um sexto sentido que te vê a ler-me, noite a dentro, a imaginar o meu rosto, a recordar traço a traço, poro a poro todos os seus contornos e, na ausência, a imaginar as suas mais leves transformações...

Um sexto sentido que te sabe a imaginares, sorrindo, as matizes com que hoje os meus olhos se cobrem e te cobrem, num olhar que não mais te deixarei esquecer; a escutares as palavras que te disse antes de me conheceres. Antes, lá no Infinito dos Tempos...

Vejo-te agora, sim, nitidamente, a ti, semicerrando o olhar numa lágrima contida ... Afagas a tela, abres a tal pasta secreta, maximizas e aí, bem à tua frente está o olhar de quem te ama e te acalma. A voz, essa, a minha, está gravada nas mensagens imaginadas e nas outras, as que me retêm dentro de ti, brisa leve acordes de cello que me transforma de rosa amarela a simples flor desfolhada, pétala a pétala, sendo deste modo singelo, flor-cálice de mel e de cicuta.

O meu nome! Mastigas o meu nome, no desejo inatingível e real, mascas sem o libertar ... está aí para sempre, no sabor de um beijo que não me deste, e neste que te dou em cada consoante, em cada vogal, maresia e sal de nossa pele, meu amigo.

Hoje estou cansada ... não te escrevo.
... anda, encosta a cabeça bem no calor do meu peito, aninha-te, Mar, bem aqui sobre os meus seios, sem temores ou receios. Vesti das vagas o fato de espuma, perfumei de sândalo os meus cabelos. Ungi-me de lavanda e laivos de luar ...

Anda, Mar, que te estou a ouvir ronronar, gato em noite de lua cheia... Bebe o secreto néctar de minh‘alma.
Silêncio, agora: escuta. É apenas um coração a lacrimejar. Não mais que isso. Respeitosamente, ouve as palavras, as tais, as que te não disse e que imaginaste ... Exacto, essas, essas mesmas ...
Que te amo, antes da criação das águas, na espiral dos ventos, na restolhada das searas, nas águas mansas de tranquilos regatos, no piar das cotovias, no cantar alvoraçante de galos a madrugar, no silêncio de gotas de chuva depositadas nas rugas e nas pregas destas nespereiras ... Que te amo, de mil e uma maneiras, inventadas ou ‘inda por inventar, em todas as estações do ano, em todas formas e fragrâncias com que nos presenteia Geia ... e que, na urgência, anoiteço, apago o dia, salto a hora, em busca da radícula primeva da palavra, Via Láctea onde desenho em ecrãs de plasma o remanescente de cada estrela, que ao longo do meu dia fazem brilhar meu olhar:
- aqueles para quem trabalho e me fazem descobrir que aqui é meu lugar...
Por eles, sou Sereia, Mulher-palhaço, Fada, Menina, Contadora de Histórias ou seja lá o que for o nome que inventes para me baptizar.

Hoje não escrevo - estou cansada, sublinho.
Mas fica, fica aí. Descansa, meu Mar-Menino. Descansa, viajante, eremita, romeiro, peregrino. Encontra contra meus seios a plácida alvorada, e se, de cansada, finalmente dormitar, e se partires, sem me acordares, promete voltar... que te prometo igualmente, ter mil e uma história para te contar, noite e dia, dia e noite, seguidas, sem parar ... e tas contarei uma a uma, com todo o tempo do mundo, entrelaçadas em laços e laçadas, no ajour aberto de bainhas, no linho tecido em tear, neste modo de ser aprendido quando, noutra vida, fui fiandeira sem roca, moura embuçada ou ninfa secreta que avistaste difusa para além do alto-mar...

Do certo, e ao certo, quem sou, não sei. Sei apenas que de tudo farei para te pacificar.
Hoje não te escrevo... estou cansada.
Confesso... entre uma letra e outra, acho que afugentei o sono e o sonho tomou-lhe em posse o lugar ...

Tela:William Waterhouse
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Nota: Este texto fazia parte do meu 1º blog (homónimo) nas Comunidades e que já foi apagado há algum tempo. Tem ligeiras modificações, mas na essência é o mesmo.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Ode à mudança ...

Nota: este texto foi publicado aqui. Hoje, acidentalmente, vi-o e reli-o. Confesso que nem me lembrava dele ... mas decidi partilhar de novo. Porque a mudança é, no fundo, no fundo, permanente em nós ...

***

Cansei-me de estar cansada de mim. De vogar em túneis permanentemente vazios, sem vozes, que não as que me acompanham vindas de dentro.

Então decidi lavrar as ondas e semear sementes - musas de palavras, planar sobre gelos, patinar sobre vermelhas águas – crivadas de dores e mágoas.

Tinha na algibeira um bloco. Procurei-o. Queria escrever nele cada andamento, cada compasso de uma melodia sem fim …

Tacteei a medo. Tinha a certeza de o ter ali. Procurei durante tanto e tanto tempo…
Finalmente encontrei.
Não passava de uma pedra de gelo e, no fogo destemperado de me encontrar, a pele em labareda o havia reduzido a um fragmento fino, um quase nada. Pouco restava. A Fada, que eu fora, havia arrefecido, perdido as asas. Esfumadas, caiam ao longo do corpo e esse, estava quase, quase morto …

Então procurei na greda, na terra por onde palmilhava. E o que encontrava eram somente poeiras… vermelhas, incandescentes. Queimavam, como escorrente soldadura, nas retinas dos olhos …

De mão descalças, abracei uma a uma, como se fossem elas, as pedras dispostas da calçada. Seguras, arrumadas… Procurava o rasto, o sulco dos teus passos. Não estavam lá…

Cansada de estar cansada, decidi que cantaria os Astros, os Planetas, as bocas abertas das gaivotas. Decidi que cantaria as aves do paraíso. Que faria do gelo bilioso um permanente gozo dos corpos retidos no recobro de repetidos abraços.

Em metáforas de poemas. Assim seria… Cantaria a Alegria.

Semeei sobre o anil das ondas a loucura impúbere de milhões de palavras.

Decidi que, e por homenagem a mim, seria palhaço, seria jogral, arlequim … cantaria uma a uma, as escamas de todos os vertebrados peixes.

Que me amamentaria dos seios de todas as orcas do Planeta.

Que seria filha da Terra e do Mar. Que exaltaria um a um, os Deuses do Panteão. Geia, Neptuno, Plutão ...

Que deixaria pegadas impressas nas abóbadas celestiais, intimas, cantos de cio e pranto.

Que ergueria triunfante a taça cálice de carne e sangue. Nas vogais abertas dos meus versos.

E que o meu riso soaria para além do rio silenciado do meu pranto.

E que os meus olhos reflectiriam os lagos de todas as cidades – aquelas que interiores, não se projectam nos espelhos dos Mares.

Hoje, desencontrada da Fada que por aqui viajava, não sei mais quem sou, mas sinto que a alegria de viver, ainda que seja dentro de um umbral de palavras, voltou.

Que os meus passos me conduzem para além das margens de um rio que, subterrâneo, habita em mim e que, em cascatas, tal corças, salta e brota.

Que fareja os sons da madrugada e que se matiza em favos de Mel, na obra de mil abelhas… obreiras de um tesouro – este reduto – onde aguilhoei as dores de estar ausente de ti. As prendi a grossos troncos, os rolei em rios rápidos e eles, floresceram, por fim …

Na certeza de que, não sendo Fada, me aceito finalmente a mim!
Poeta, louca, que seja ... mas seja, SIM!

terça-feira, 7 de julho de 2009

"O seu a seu dono..."

“O seu a seu dono“, sempre ouvi dizer, mas, neste momento em que os valores da ética e do respeito pela “propriedade do outro”, pelo “bem do outro", pela integridade física e moral do outro, parecem não fazer mais parte da pirâmide de valores e normas de conduta dos habitantes desta aldeia global, neste momento em que a “democracia” - e perdoem-me os animais de quatro patas, por quem tenho o maior apreço e respeito -, mas dizia, em que a “democracia” parece ter chegado, ao invés do que o meu falecido pai, homem de poucas letras, mas de grande sabedoria costumava dizer “… aos burros”, começo mesmo a duvidar que quem esteja errada nisto tudo seja eu...

Eu que tão acérrima defensora sou da partilha dos saberes e que vi, nesta coisa da Blogoesfera, um "palco luminoso" onde, cada um, pudesse mostrar e aprender com os restantes …
Uma biblioteca inigualável em que aqueles que, vivendo aqui, neste cantinho "distante" da Europa seriam lidos no Japão, por exemplo; que, e usando deste modo de comunicação os não publicados em livro - os ditos consagrados -, pudessem lá chegar… e isto era, pensei ingenuamente, simplesmente maravilhoso. Escrever e ser lido e entendido a milhares de quilómetros, era uma façanha extraordinária.
E não é?’?? É, sem dúvida, mas ...

Bom, vamos lá por partes….
Ora bem, do que me dispus mesmo a falar é de roubo da propriedade intelectual de cada um de nós, bloguistas - poetas/prosadores maiores ou menores, não vem ao caso. Vulgo plágio!!!!

E se nesta altura este assunto me começa a inquietar é porque, de prática esporádica e praticada por “ladrões de galinhas”, ou seja, “larápios de frases inteiras” com que costuram mantas de retalhos, mal remendadas, diga-se de passagem, e que nada têm a ver com a arte sábia das nossas avós em costurar belíssimas mantas com sobras de tecidos, "patchwork," chamemos-lhes assim, para ser mais “in”, estes, os tais “ladrões de galinhas” são, a cada dia, mais descarados …. Agora levam as galinhas e, duvido que se lhes fosse dado a possibilidade, levariam o terreno e o milho de que as ditas se alimentaram...

Roubam a obra pronta. Para quê? Simples: para alimentarem egos doentes! Só pode…
Cada dia, confesso, (não devia, contudo...) me surpreendo mais com este mundo de “pseudo-poetas” em particular…

Ao longo deste anos em que escrevo na net, nem sempre mostrei a cara como o faço e de forma tão frontal. Sou quem sou! O rosto que se mostra é o meu, o nome é o meu, o “nick” é, como mil vezes já tentei explicar, um diminutivo…

Tempos houve em que, porque ainda não lidava bem com o facto de escrever poemas… (coisas provincianas, dirão os senhores … Concordo. Seja!), visitava blogs, comentava de forma anónima, na maioria dos casos desdobrando, continuando, os poemas dos autores que admirava … e, sorrateiramente, saia.

Desses tempos, encontro hoje na net, os meus “filhos” … mas sobre esses não tenho quaisquer direitos… fui uma má mãe que os “pariu” e os abandonou à sua sorte. Alguns, os mais felizes, vivem hoje em casas onde a poesia é respeitada e, têm como autor o Sr/Srª “Anónimo/a"… Sementes, sejam, pois, da palavra ora produzida e assinada.

Todavia, e a partir do momento em que assumi esta “compulsão” pela escrita, é-me absolutamente doloroso ver, como já vi, poemas meus descaradamente plagiados de fio a pavio, com o titulo alterado, por exemplo, e postados em blogs de “poetas fast-food”…

Sou do campo, meus senhores, detesto fast-food. Gosto de tudo o que é genuíno e verdadeiro … Não busco, não é da minha natureza, pódios ou coroas de louros… mas por favor, respeito é bonito e eu gosto … e muito. Dispenso pois as coroas de sarças com que me coroam, quando me cortam à fatia e me colam em sites onde a natureza humana não é respeitada, por exemplo!… Pior que plágio é este “descontextualizar”…

Mas serei a única vítima??? Não!
Recentemente contei a um amigo que encontrei um blog onde vários poemas dele, integrais, estavam atribuídos a outro autor… que, como vem sendo hábito nestas coisas, recebe comentários, vai a palco e agradece… e volta a palco e agradece de novo… Tristes figuras, Santo Deus!!!

E, como se a coisa não fosse suficiente… ontem à noite encontro poemas de um outro bloguista por quem tenho profunda admiração e cuja poesia é inconfundível (poemas que fazem parte de um site colectivo “desactivado”) , atribuídos agora a uma senhora, num blog actual … E, de novo digo: Tristes figuras, valha-nos quem possa…

E (tantos “e”), como a imaginação - a minha -, e o tempo, andam escassos, hoje decidi ir, - aliás como vem de há tempos a esta parte a acontecer -, à minha “caixa de perdidos e achados”, buscar um poema … “Cansada, contacto”

Pasmem, meus leitores, eu, que sou meio desorganizada, mas gosto de vos deixar o link de onde e quando publiquei cada poema pela 1ª vez, fiz “inocentemente” uma pesquisa no google (maravilhoso google), desta vez pelo nome … de imediato … zás!!! Para além da Mel de Carvalho, outra alma o “escreveu” …

Começo a estar cansada, confesso.
Será que as pessoas que andam por aqui não sabem que basta colocar uma frase entre aspas e, de imediato, se descobre onde andam os nossos trabalhos? E será ainda que não sabem o que são IP’s? E desconhecem de igual modo que, em caso de denúncia, roubo da propriedade intelectual, porque é disto que se trata, a “coisa” é feia???

… pois é! Recomendo vivamente a referência ao autor, no mínimo, ao blog/site/livro, etc., de onde se retirou o texto. Citar até dá um ar intelectual, não é verdade???Fica sempre bem!

Sim, têm razão, estou irritada, começo ter pouca paciência para estas coisas…
O seu a seu dono e ponto final.

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...