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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

carbono 14

deambulava o tempo das estacas. a borda d'água das frâmeas de espadachins,  que, sem rei nem roque, lhe determinam o motivar das horas. era noite ainda no convés dos barcos. os arrozais então  tomavam a cor verde da novidade.  no mais interino da barriga de suas pernas sentadas na margem da cama havia, a navegá-la, nas veias e nas artérias, na corrente sanguínea, um rio de leite e mel, uma essência de baunilha. as coisas puras, a lã e a lava. e, rente ao chão subido, a longitudinal placenta que a protegia, temporariamente,  do íngreme esquisso de que se tingiriam, inevitavelmente, as unhas e todas as extremidades em fim de curso. as linhas férreas. a cor fosfórica.  constatação prenhe de que  apenas um único fosforo bastava a alumiar os dias de verdade.   sabia há muito que o tamanho dos sonhos era sempre, inevitavelmente, na raça humana a que diziam os livros, pertencia,  inverso ao avançar da idade
 [de que tamanho são os teus sonhos, meu amor? do teu tamanho.  ah, por isso estou a mirrar... porra da idade... riram juntos a entrelaçar as polpas dos dedos, a mão dele a invadir o macio do colo, o verbo, a vontade.  a mão dela, coroa consentida e desejada,  sob o pijama da noite... riram de novo. eram meninos... tonta, minha GRANDE tonta, os sonhos não têm medida ou idade. têm sim, tudo é mensurável. sabes do carbono 14?...  riam de novo, meninos, na enormidade do sonho, na idade das pedras,  a ladear(em)-se, caminhos...]
 ... sabia, como sabia que a ocultação da verdade, ainda que de si própria,  lhe roubava, irreversivelmente, o poder de agir sobre o que quer que fosse.  o poder de assumir a responsabilidade. e que, ao invés, a interceptava, gume, sangue coagulado na espada ferrosa da culpa.
não é o verbo que nos liberta, sabes? - disse-lhe. tenho por certo que, em muitos de nós, só o silêncio  fala verdade. não adianta negar o leite derramado nem o choro pousado no beiral do ontem. adiante, andamento, disse-lhe de rajada. estás a ver, qual eu vejo, a claridade dos meus olhos sobre as tuas mãos pousadas? guiam-te! diz-me, vês? é-te vertical a memória como a força das rosas a regurgitar das podas. és-me o rio azul e força dos meus pulsos, és-me…
num espaço contrário à navegação dos dedos, Perpétua agia ao nível das convicções próprias, sabendo que, só ai agindo, a mente teria o poder de criar e destruir, de fazer acontecer. levantou-se vagarosa, uma chávena de leite, um punhado de nozes picadas, uma maçã,  olhou o espelho de fronte [o lençol do rio]. não havia acasos na natureza,
os desafios não foram, bem sabes, algo que o universo sábio criou, em exclusivo, para mim ou para ti – são algo que a todos nós acedemos, comuns. vencê-los é obra nossa. obra individual.  um novo punhado de nozes picadas, a fome da boca o tilintar da chávena contra os lábios;  despertava - "aprender é quando o comportamento muda em função do conhecimento", disse-lhe. não aceito desculpas. nem boas, nem esfarrapadas. todos temos, acredita, mil dramas em nossas vidas - o que nos torna maiores, mais fortes, é a forma como respondemos a cada um.  a forma como assumimos a responsabilidade. e, obviamente, determinamos as causas a montante da foz. todo o efeito tem, claramente, bem sabes, uma causa. digo-te ainda, da importância de avocarmos a propriedade de nós próprios. totalmente. a minha vida é minha, e tão só. importa agir. não reagir. já te falei da diferença? do condicionamento? a deambulação no tempo das estacas, pode ser, por vezes, escolha minha. é um tempo dentro do tempo. só nos muda aquilo que fazemos de  forma consistente e continuada – dia após dia, em dias sucessivos,  como os ciclos das colheitas. hoje eu sei o quanto estou próxima dos meus sonhos. e para que o saiba, entendes, tive de entender o quanto me afastei, e por quanto tempo, deles mesmos. medir o intervalo, o diferencial. quantificar. qualificar. o conhecimento é, dizem amiúde,  poder. eu retruco, baixinho, ao ouvidos das ervas e dos moluscos, é apenas poder potencial. se não aplicas, perde-se, como as águas fecundas das primeiras chuvas, no gretado das terras não aradas - entendes agora porque se preparam os terrenos, se batalham os braços, antes que se deposite a semente no ventre das terras? 
de que falo afinal, dirás. de tudo e de nada. tudo se liga, tudo goza, de alguma forma, da propriedade comutativa  da matemática, e, sendo eu,  como sou, uma incorrigível romântica, sê-lo-ei, quiçá, comutativamente, uma insurrecta revolucionária na gestação das palavras.   há nos meus olhos uma herança de verdade, e nos meus pulsos, a pele dos teus, as asas de borboleta, tangenciais.  afinidades tribais, um conceito de grupo, um pulular de signos, de chinelas varinas, tamancos andaluzes,  tambores e gritos, como batuques,  a dar ênfase ao poder de agir em comunidade. e, esta sociedade anónima, individualista e grosseira que, em dias outros, se entorna como visco a grudar-me as asas, a grudar-nos as asas, dizendo que, cada um de cada um, se deve bastar a si próprio, sendo, na civilização moderna, pedra sem datação precisa, estaca natural da borda rio, à mercê da técnica do carbono 14. falo-te, meu amor,  da memória colectiva…dos teus lábios, do selo rima branca das palavras, do cuspir macio das ondas contra a falésia, contra as narinas das bestas que se apascentam na minha lezíria, quando  um cacilheiro passa... 
falo-te...
Perpétua  não terminou a frase. nem carecia. afinal o silêncio era quem, de entre todos dos sons,  melhor lhe revelava a verdade. o silêncio, rugido ininterrupto do universo
e de si própria.


Fotografia: Konrad Zagloba

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...