Sobre mim ...

A minha foto
Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

sopro d'água



“só o teu rosto interminavelmente.
como o fogo e o mar. como a morte…” -
Eduardo Carranza

ainda o teu rosto. ainda o fogo a circundar bambaleante o altar de meu corpo, púlpito onde me elevo, sacerdotisa.
a eloquência sagrada desse palco - a pedra basáltica ganha ao mar. o alabastro da palavra. branda e forte. como gostaria que fosse a morte.
e nós, ganhões de um campo de tez dourada, pagãos e nus. os corpos… os corpos justapostos…

há que doutrinar o amor, diria.
antes que seja tarde. antes que nos assome mais forte que nós, a nortada.
olho a eira, circuncidada. caminho da poesia à prosa e à primeira forma, volto. volto sempre. em círculos. concêntricos. circunspectos.
adestro-me.
olho-me na roda do vestido vermelho com que me visto. no rés do mar, só o teu rosto interminável. como espuma, como lava… sobes. subo.

varejam no púlpito todos os círios. a cera escorre lenta, aqui, em maleabilidade dúctil. indulto-te! por ti todos os cerieiros suspendem em varal de aço torcidas de linho, do mais puro linho, para que não nos falte a luz.
a luz.
depois, na noite, quando partir, incendiar-se-ão círios, qual candeias reminiscentes orquídeas por sob os corpos. e, sobre o meu, teu rosto, que beijo, afago... e parto. lastro de barco rasgando as trevas, rumo à nascente.
“só o teu rosto (…) como o fogo e o mar…”

um sopro. num sopro, a vida. passa...
sopro d'água.

no monte, a claridade que varre o rebo, o tosco, em demanda do pó de astros. provectos.
o verbo, o substantivo …
“meu amor, meu amor, eu não sei na verdade(…).
era a tarde mais longa
de todas as tardes que me acontecia”.
(1)

toca.
toca na rádio. um lágrima migra. sem norte, desce e corta luminescente a folha crua.
estrela-se a tarde, na noite que se anuncia.

o vento, o vento...
importa ceifar a ventania. importa amar. importa soltar os pássaros na estação dos pássaros… "era Inverno na estação dos pássaros... ". meu amor!...

um fado.
uma flauta. de osso.
o suor em bica.
a medula que, de preciosa se dá e não se vende; se oferece ou troca... simplesmente,
na saliva que une o beijo à boca.

desnuda, descalça, subo à Basílica. o branco contrasta o azul da tinta…
a Basílica. ex-libris da cidade. não essa, mas a original, Sacré Couer de Monmartre. volto a paris. num sopro d’água, iço-me na enseada. sou. tento ser. pássaro livre, boémia, poeta, artista. visto o espírito do bairro que me acolhe. recolho-me, molusco. no vermelho do vestido o fogo, o Moulin Rouge. o verde das ruas e a esperança. de renascer.

as ruas arborizadas. frescas… os dias limpos;
meu tudo o que a olhar avista, até ao Monte de Santa Tecla, estudante ainda. a academia. académica, subo ao zimbório, pelo interior da Basílica. sei das vertigens, das visões caudalosas, sei de quando não me sabia…

volto
ao tempo em que escrevia. olho ao redor.
o fogo, o mar. o rio - os rios escorrem para o mar-, o estuário, as margens férteis, o delta.
aqui e ali, tudo se matiza, e já, de novo, sou tágide nesta lezíria. fogo e mar…

uma limusina atravessa a noite.
barcaça no teu rio. lima, douro, tejo…
rio dos rios subterrâneos e dos ritos iniciáticos do verso, do verbo contido em citânia, cidade primitiva onde te sigilo, perdurado na matriz, em síncrona dimensão e forma descontinua
entre
a mulher d’agora e a angelical menina…
que era.

na areia fina
“só o teu rosto interminavelmente. "
e o eco, boomerang que me responde:
“só o teu rosto interminavelmente. "
____



quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Estava-se marimbando... "Sopia"




Estava-se marimbando. Nitidamente marimbando.
Sorriu intimamente. Há quanto tempo não lhe vinha à cabeça aquela palavra? Dezenas de anos, largas dezenas de anos. Tantas quantos os que haviam passado desde que aquela cidade deixara de ser palco de aprendizagem e passara a ser tão-só palco de passagem.
De paragem por vezes (escassas) na época da Feira de Outubro, na época do Colete Encarnado. E, por fim, de visita amiúde àquele hospital.
Detestava-o. Ali deixara para os encontrar mortos, ambos os pais. Épocas diferente. Doenças diferentes. Mas incuráveis. E o vazio pungente da orfandade. Como doença insanável com que tinha de, todos os dias, conviver.
[Como é que se mata a saudade mãe? Como é que se mata a saudade, pai?]
E ali voltava por circunstâncias análogas: familiares. Tios, primos. Uma infindável cadeia de afectos que se quebravam.
Estava-se pois, marimbando. Não adiantava o corta e solda, o pinga aqui, remenda dacolá. Todas as teorias do re-arranjo sabia-as na carne de que apenas adiavam a partida. Previamente marcada a cruzinhas por um Deus desconhecido num qualquer calendário escondido do seu olhar. Mas agendado. Sem direito a alterações de datas, de decalagem, de dias de compensação, porrogação e etc. Data fixa, portanto!

Aconchegou a mala bege contra o colo. Sentada na esplanada do mercado, tentava ocupar-se a imaginar as vidas para além das janelas fechadas daquela hora. O calor Ribatejano impunha o recolhimento dos espécimes. Senis na sua maioria. Envelhecidos como frontarias dos prédios circundantes. Um apenas de traça antiga, à sua direita, reconstruído recentemente por cima do que fora uma casa de penhores. A cor rosácea. Rosa velho. Para não destoar dos demais...
Abriu-se uma porta-janela. Uma mulher a rondar os cinquenta (assim parecia) em trajes de "andar por casa" ocupou uma das cadeira de verga da varanda. Viu-a sentar, abrir o jornal (dali não sabia qual, imaginou o Expresso, pelo tamanho…).
Desejou ser "a mulher". Não por coisa nenhuma de especial, mas porque e só porque, estava em casa, lia, aparentemente pacificada e a ela o fim de tarde estava destinado a ser preenchido por uma não desejada tarefa: visita hospitalar…

Estava-se marimbando.
Comeria o bolo, de nozes e mel, beberia o suco natural. Que se lixasse. O que fosse depois, seria. Estava saturada de se privar. Comeria sim.
- desculpe, quando a senhora chegou ainda estavam nessa mesa as pessoas, por isso não retirei a loiça
Sorriu. Respondeu monossilábica:
- não tem mal…
Embrenhou-se no saboreio lento das nozes trucidadas. Tentou que as papilas gustativas lhe devolvessem estímulos. Compensações… sensações.
Nada. Comeu mecanicamente. Como se, por proibido, desaconselhado, enfim, o organismo sequer valorizasse os alimentos. Marimbou-se, portanto. Comeu. Ponto. Até à última migalha, até à última gota. Bebeu.

Apertou a mala. Ali dentro o seu destino nos próximos tempos misturado com as quinquilharias do costume. E os livros, e as canetas. E o telemóvel que não servia para coisa alguma. O do trabalho estava desligado, o pessoal, pensou, melhor seria que o aventasse definitivamente ao lago dos patos no jardim…
Detestou-se…
Teria de ali permanecer por mais uns minutos. Ela e o bolo. Ela e o suco… mais nada.

De súbito o toque. Um passe doble, uma música de tourada. Alta, incomodativa, rugiu que nem uma trovoada. Ou uma manada de bois soltos no largo da praça...
Só então os viu. Estavam na mesa ao lado. Dois. A meia idade estampada no “sal e pimenta”, as Le Coq Sportif, os sapatinhos de vela …
A conversa:
- ...claro que estou com o Serafim, minha linda, o que é que achas? Queres que to passe? Duvidas de mim? Eu passo e já vês se tem voz de gaja…
- ... daqui a vinte minutos. Tens saudades do je, tens, meu amor??? ... Já me contas isso tudo...
não, não posso ficar hoje para jantar...

Os risos. Os engates. O telemóvel agora desligado…

- tá caída, a gaja. Caídinha. Andam todas à babuje e um tipo tem de lhes dar linha… corda, se é que entendes…
- a tua mulher?...
- ...coitada. Está doente. As mulheres se não tivessem barriga eram eternas…. Ainda bem que têm e que um gajo tem sempre trabalhos fora…e longe.
- a que horas chegas a casa?
-ó pá, sei lá … quando chegar chego. Ela espera sempre… Telefono-lhe mais logo. Agora estou a trabalhar, bem vês…

Serafim, assim designado havia minutos, esboçava um sorriso sacana…. Porfiava o bigode fora de moda, desonante com o xadrez da “ Le Coq Sportif”. A espuma da imperial a amarelar a boca.
- fazes bem, pá. Marimba-te nisso. Como os meus filhos dizem, “a malta tem de curtir uma beca”. Puta que as pariu, estão sempre doentes, porra… o que vale são estas, sãs que nem um pêro…e boas como a pêra rocha. Tudo tem um preço, porra. Estas valem... se valem...

Sopia levantou-se. O relógio marcava as 18.15. Dali ao Hospital, escassos minutos.
Estava-se marimbando. Fazia parte do grupo das “não-sãs que nem um pêro”…. Bom seria que nenhum gajo se tentasse afiambrar. Poderia ficar envenenado, deu-se consigo a pensar…
E, pensando bem, estava-se mesmo marimbando para que morressem no veneno que eles mesmo destilavam.
O seu destino, o dela, Sopia, estava dentro da mala que agora balouçava livre e serena na ponta dos dedos…
Elevou-se no porte, balançou os cabelos, ergueu o queixo, avant-garde...
Caminhou a tarde. Marimbou-se no restante.

Fotografia: Jorge MC Pacheco

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

radical mother? no ... but

Confesso que jamais pensei em falar de mim e do que me toca de forma tão directa. Sempre fui avessa a imiscuir a família nos meus "devaneios literários". A família tem um papel em minha vida que não cabe em nenhum post que algum dia fiz ou venha a fazer. Os meus filhos, particularmente, dão um sentido maior a cada etapa que, tenazmente, tento superar.
Este post será, talvez a excepção.
Porque excepcional é o momento...

Na praia, ontem, fim de uma manhã luminosa, início da tarde. Mergulhos, corridas (as vossas que eu fico mesmo na toalha...) E o vosso retorno a mim.
O virar da agulha da minha atenção.

Ao lado fica por agora o livro que me tem feito companhia e que tanto me sensibilizou.
É, é verdade. "No teu deserto", malogrado o vaticino algo "sinistro" de uma senhora que, amavelmente, tentou impedir que o comprasse numa das inúmeras papelarias do Vasco da Gama, com um tão desconcertante quanto inesperado:
"... não vale nada. Ganha fama e deita-te a dormir...",
viria a revelar-se um espaço de leitura em prosa-poética, belíssimo. Miguel Sousa Tavares, uma vez mais, ainda que num registo diferente, não me desiludiu.
Sophia-mãe, tal como eu em relação aos meus, estará muitíssimo orgulhosa ...

"...mãe, vou fazer-te uma razta... vais ficar uma mãe radical"...
"...não ... por favor, como desembaraço depois o cabelo?"...
"...esquece! Deixa lá... mas que ficavas fixe, ficavas...".

Contagiaste-me, filho.
Não porque queira ser "radial". Mas porque tu quisesses-te que eu, tua mãe "cota", ficasse parecida contigo, meu especial raztafare... E tu, filha, pactuante, num riso sem limites:
"fica quieta, mãe ... vais ficar fixe ..."

Foi assim.
Ganhei uma razta. Um ninho de ratos, digo eu... Um emaranhado de fios por debaixo do cabelo que insisto em manter longo. E o sabor, o prazer inigualávell, inesquecível, dos vossos dedos, meus filhos - de ambos -, em meu couro cabeludo. E desta partilha de espaço e de afectos. E das memórias de quando, eu mesma, menina, penteava minha mãe, se a "apanhava a jeito". Em regra quando acamada, doente... Um pente de tartaruga de que até hoje não me separei. Partido, sem cabo. Mas que guardo com tesouro ...

"era fixe que a não tirasses...", pedes. Olho-te de frente. Desconcertas-me. Decido:
- Não, não tirarei. Será o meu amuleto.

Amanhã é outro dia, depois outro. A vida passa. Ficam em nós os momentos em que o sangue do nosso sangue se nos igualiza e nos identificamos com as suas escolhas.

Sophia, porventura, nas suas, Miguel.
Nos desertos por onde o seu impulso o fez caminhar. E ela, mãe, em cais, desejosa de o reabraçar.
Eu nas viagens dos meus "raztafare"/surfista" e "certinha mergulhadora"...
Esperar-vos em praia. Desejar que uma estrela vos conduza sempre ao cais do meu colo.
E ser-vos âncora que amarra e solta. Que não retêm para além do que é "legítimo" reter.
Com o coração nas mãos, sempre.

Das vossas escolhas, do apoio incondicional que vos dou - pese embora a tentativa de vos demover por medos - , se faz o vosso e o meu caminho.

Há muito que deixei de querer ser a vossa mãe, ou melhor, continuo a querer, mas... o que mais desejo é ser a vossa melhor amiga.
Radical? Raztafare? O que for será ... a vosso lado.

sábado, 8 de agosto de 2009

Desejou-a espaçosa... "Gabi"

Desejou-a ampla. Espaçosa.
Desejou-a na enormidade possível de quem deseja. Não por qualquer sentimento de posse, de lhe chamar sua - jamais teve com o que em seu caminho se cruzava esse sentimento -, mas porque, dessa forma, a poderia mais e melhor desfrutar. E, uma vez mais, desfrutar para ela significava, porventura o que não significava para muitos.

Desejou-a ampla.
Desde o dia em que, acidentalmente, por caprichos do destino, o seu rumo deixou de ser as águas quentes do sul, onde nos últimos dez anos havia passado os dias de sol mais luminosos de sua vida. A juventude...
Memórias que desfolhava de quando em vez, em especial quando, dada recorrentemente a arrumos e limpezas “grandes”, encontrava os álbuns familiares. E se via. Não fossem o acumular progressivo dos dias e, diria que, há distância de mais de três décadas, a figurinha era a mesma. O mesmo penteado, o mesmo corte de cabelo, agora pintado à cor daqueles tempos, num tom mate entre o cobre e o ruivo… Apenas o olhar a traia… perdera o brilho, o fulgor incendiário que fazia com que as pedras se encobrissem de vergonha da sua palidez… A pele permanecia, tal como na adolescência sem borbulhas, sem manchas. Avessa a cosméticas, ria-se com frequência das tentativas vãs que as colegas, as vizinhas e afins, desenvolviam no sentido de lhe venderem a "última gama" desta ou daquela marca de que eram agora, para ganhar uns cobres, revendedoras. Apenas a uma comprava até ao dia em que, sua amiga desde sempre, Gina fora a sua casa e usara o seu WC privado. E lá estavam eles… alinhados, ordeiramente alinhados, os cremes intactos da tal "última gama" …
- Gabriela, acabou! Sou tua amiga. Não te vendo nem mais um creme …
Percebeu. Viu claramente a amizade espelhada no tom zangado da voz de Gina. Tinha razão… Comprava por e só por ser a ela. Nunca tivera intuito de usar. Conhecia-se. O banho rápido, duas escovadelas no cabelo, a ida semanal ao cabeleireiro para que o “tratasse” e pouco mais. Água e sabão lhe bastavam…

Desejou-a ampla.
Levou catorze anos desde o dia em que entrou as muralhas da cidade pela primeira vez, a subir as escadas daquela a que chamaria a “sua casa”. No entretanto, nos primeiras tempos foi alugando sucessivamente uma casa de emigrantes. Em menos de uma mão de dedos adquiriria um apartamento… espaçoso, claro, na primeira linha de mar...
Mas não. Não a satisfazia. Gabriela era, como sempre dissera alto e bom som, “do campo”.
As caixas de fósforos do Papalagui não a comportavam. Era gregária. Vivia em clã …directos e indirectos, colaterais, descendentes e ascendentes….
E amigos. E amigos dos amigos…. Nas suas casas a chave estava sempre na porta. Desnecessários os avisos de que chegariam... eram sempre bem vindos. A comida, por artes mágicas, crescia nos tachos ... Assim fora criada e assim se fizera mulher....

Desejou-a, pois, ampla. E, dia a dia, desejou-a mais. Amplíssima. Com espaços exteriores. Churrasco. Mesas de madeira, várias. Bancos e cadeiras ...
Em vários níveis.
Camas. Muitas. Vários quartos… Condições para todos se alimentarem e dormirem bem. Tudo o resto fluiria, acreditava. O mar a dois passos faria o resto. E as redes brasileiras, essas, por certo não dispensaria ... o recheio? Minimalista. Objectos reciclados de várias gerações... cobertores, lençóis. Pouco importava.

Subiu a escadaria pela primeira vez há cerca de dez anos atrás. O primeiro sentimento que a atravessou foi de dor … “mãe… não te posso já oferecer esta casa. Tiveste sempre de aqui, nesta cidade, dormir na sala. Bem te ofereci o meu quarto, mas nunca aceitaste … muito menos os dos meninos...”. Depois a imagem. Um mulher de sessenta anos, vestida de negro, acabada de perder a sua própria mãe, junto ao Forte, a despedir-se muda, serena, da cidade de que tanto gostava [sabia que a havia contagiado com o amor por aquela cidade... No início sempre coberta de nevoeiros...]. A despedir-se em definitivo dos barcos, do cais…
E ela, com as lágrimas a morderem-lhe a garganta a tentar fingir que não entendia. Era então Novembro, um sol tímido abraçava-as. O Natal por perto. Meses depois, faria a viagem anunciada. Sem um ai, sem uma palavra. Convicta e determinada da sua decisão… “mãe… estarás por perto, prometes?”…
Quando viajava, se o fazia sózinha, sem os filhos, Gabi, na descolagem entregava-lhos sempre ... "...mãe, toma conta deles, prometes?"...

Subiu a escadaria.
Elevava-se geminada em três pisos. Um terraço, por fim.
Dali e ao redor, até onde a vista conseguia alcançar, fosse qual fosse o sentido, mar. Mar e mar.
Não duvidou. Era ali o seu lugar. E de todos os seus sobrinhos (verdadeiros ou de faz de conta…). De todos quantos a quisessem sua. Sem reservas.
Por vezes brincava:
- ...vou instalar uma recepção lá no R/C, que acham?… Riam, claro.
- Fazes bem Gabi. Isto é mesmo a casa da “mãe Joana”…
- Da tia Gabi, queres tu dizer ...
Ria. Riam todos. Fora assim a última década.

Dos seus risos e pertences que todos os anos iam ficando estrategicamente esquecidos, se fizera a casa. Memórias dos que partiram em definitivo. Também. Nas pranchas ... nas camisolas ... Essas tão dolorosas…

Gabi arrumava meticulosamente gavetas, dispensas.
Caixas de fatos de Carnaval, de decorações de Natal…
Ocupara-se daquela tarefa nos últimos dias. Como prenuncio da tempestade de Agosto telefonara meses antes à empregada que abria e mantinha a moradia habitável sempre, em qualquer altura do ano, para que lavasse as roupas, as arejasse.
Nunca em vinte e muitos anos o solicitara. Era ela e só ela quem a cada ano, a cada Verão, revolvia os limites, os cantos. Sentia-se, todavia, demasiado cansada. …

Colocava caixas etiquetadas no lugar certo. Tudo alinhado. O desalinho era só do vento, lá fora. Ou dentro de si?
Em que lugar o rio se fizera mar?
Mar aberto onde não chegava sequer, da areia deixada em praia, vislumbre de lugar? Do "lugar"?...

Não chorava. Estranhava-se.
A praia, o mar, já não a enluvavam. "Ou a luva ou o anel" ... Escolhe! - Determinava-se a si mesma. Não havia espaço a indecisões...
Um desprendimento maior, um absoluto desprendimento, tomava conta de si.
Olhou-o inquieto. O "seu mar". Recordou-o - o cheiro, a vaga espaçada, o branco espumado- , quando o abraçou, dali, pela primeira vez, a ele, empoleirada naquele dedo apontado a Oriente. Tinha nome de mulher. Um dedo com nome de mulher: Papoa.
... Tudo ainda estava virgem. Era virgem o lugar. Apenas os caniços pasto de infindáveis caracóis e escarpas donde gaivotas zarpavam a parte incerta.
E veio-lhe em memória a vontade de se perder e se encontrar a cada dia, a cada hora, a cada instante, nas águas gélidas daquela baía.
Do quanto e do tanto que, ao longo do ano inteiro, vivia o sonho de que Agosto chegasse.
Depois, como se clausura fosse, trocava o bulício citadino pelo silêncio… O calor da cidade grande pela bruma constante e pela neblina matinal. O acordar com a buza. A manta ...
E pela casa cheia de risos de crianças, de adultos na sueca, e dela, escada abaixo e acima, numa labuta sem fim. E o fim do dia, como as crianças de fartura na mão ao som da feira da Senhora da Boa Viagem.

Desejou-a espaçosa.
As infiltrações do terraço eram iguais às dela própria. De reparação urgente…
Era a hora de confiar nos técnicos. Era a hora do sonho dar lugar ao pragmatismo.
Na água sempre. Apenas isso em definitivo. Já o manifestara.
Seria o seu lugar.

Desejou-se espaçosa.
Sentiu que era. Em si, viviam ad eternum, todos os que amara...

domingo, 2 de agosto de 2009

Ainda sobre "Plágio"

Sem mais comentários ...

Em busca de um poema meu, para responder a um desafio que me foi lançado por "Porosidade Étera", de novo e em segundos, mais "alminhas-gémeas ..."

O meu poema: Abre-te a mim, amado

"Abre-te a mim, amado,
neste rio de cardos cravados na memória.
Bolina o meu corpo, no leme da nossa história,
…sem demora …

que o vento é de nortada, que o vento por nós
ondula a espuma da vaga e chora.
Que, no areal da tarde, a gaivota regressou e já lá mora,
… em espera,

e no seu doirado bico, tem um mapa cravado,
em que o meu e o teu destino, têm um ponto cruzado,
no reponto da maré.

Abre-te a mim, amado,
no deportar da saudade, nesta vagem de frutos silvestres,
dulcíssimos e avermelhados.
Amoras maduras, framboesas, mirtilos ensandecidos…

Liberta-te do sepulcro dos silêncios, ao clamor rugente dos sentidos;
Tange harpa em cordas com a polpa dos teus dedos,
e liberta, por fim,
do meu corpo e de ti, na impudicícia do momento,
um sílex fino, um gemido de violino.

Abre-te a mim, amado … na neblina da manhã,

…leve, leve,

em estrelícias pontiagudas, em promessas rubras de febre,
em aromas de hortelã!

“Lado a lado … lado a lado!!!”


publicada por LittlePiny às 4:37 a 8/Set/2007
Mudou de nome e, claro, de autor ...

eis o meu comentário de há minutos...

Mel de Carvalho disse...
Haja paciência (a minha) por gente e com gente que faz plágio descarado desta maneira...

Pensa que mudar o nome a um poema basta para o publicar como seu?

Este poema, caríssima senhora, é da Maria Amélia de Carvalho Luís, está registado no IGAC. Plágio é roubo aqui ou na China. Estou a começar a perder a paciência e, de agora em diante, vou accionar mecanismos de outra natureza para quem abusa deste modo do que os outros escrevem.

Este poema está em:
http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=16128

com o nome: "Abre-te a mim amado".

Sem mais!
2 de Agosto de 2009 8:16

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Dito e feito:
Um dos mecanismos: de hoje em diante vou denunciar publicamente TODOS os plagiadores dos meus trabalhos.
Sou a pessoa mais generosa do mundo, acreditem caríssimos leitores.
Por causas sociais darei, desde que as considere válidas, direitos integrais de trabalhos meus. E fá-lo-ei com o maior desprendimento e, preferencialmente, sem palcos.
Estou ao dispor de quem achar que posso ajudar. Contactem-me, pois.
Roubo? Plágio? Não!!!! Sejam quais forem os fins. Estou, confesso, saturada. São milhentas as vezes que me vejo nesta situação... Respeito é bonito e eu gosto. Muito!

___

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...