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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

quarta-feira, 17 de junho de 2020

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”



“… palerma, chapéus há muitos”…
Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação de afecto…
A história deste conta-se em meia dúzia de palavras. Comprei-o em Boston, corri o ano de 2006. Em pleno Dezembro fui para os “States” desacautelada. Se a minha avó fosse viva e me visse, dira :“tens a mania de andar em corpinho bem feito”, o que, para ela e na linguagem dela, significava mal agasalhada sem um abafo que alargasse as formas mas aquecesse a alma.
Bom, comprei-o. A ele e a uma gabardina que mantenho até hoje. Ambos e “marca”!. [tudo tem marca, costumo dizer…]. Ok. Este era de marca, mesmo. Loevenich, Caps &Acessories. Foi amor à primeira vista e para a vida.  Um investimento, portanto!
Viveu comigo e perdurou existência fora, desde então, ora para me proteger da chuva, ora para, naqueles dias soalheiro me proteger do sol. Estava ali, sempre à mão, no bengaleiro da entrada. Até que, no mesmo dia em que a Elsa (Depressão Elsa, 2019.12.20) se abateu sobre Portugal e me havia destruído integralmente o meu amado chapéu de chuva “dos cães”, em plena Alverca, deixando-me completamente desabrigada, como se não bastasse, ao chegar a casa, na urgência de salvar bens expostos no terraço e na varanda, deitei mão dele. Haveria de me abrigar da intempérie, por Deus. Fiz-me à chuva. Num segundo, dei-me conta do erro da minha escolha -  o meu “velho Loevenich” que tinha atravessado comigo o Atlântico voou como uma ave afoita para fora dos meus olhares …  No meio da chuva e do vento não houve mais vislumbre do dito. Praguejei raios e coriscos, blasfémias e outros tantos impropósitos dignos de uma senhora. Muito menos de uma senhora que usava chapéus …
Recolhida a casa, matutei nas perdas do dia. A tal frase, “palerma, chapéus há muitos”, não me saía da cabeça. Essa e a outra “quem o seu não cuida, o vento e leva”. Bom, naquele dia, dois dos meus chapéus tinham partido para o Reino dos Chapéus Perdidos…
Como tudo na vida, vamos arrumando lá mais atrás os incidentes que nos assolam a pele, na certeza de que “O passado é um buraco negro, a que, se te abeiras demasiado, corres o risco de ser engolida…”.
Tempos depois, alguém a quem havia contado a história, presenteou-me com um novo chapéu de chuva, desta vez de gatos… Um gesto maior, generoso e inesperado que dulcificou a perda de outro e uniu pontas de uma outra história. Há gestos que nos marcam…
Mas o meu velho Loevenich não foi substituído. No bengaleiro permanecia vazio o seu lugar.
Passaram cinco meses sobre a Tempestade Elsa. Esta semana, uma trovoada incomensurável abateu-se sobre a casa, as árvores, as terras, lavando e varrendo tudo ao redor. No dia seguinte o sol brilhou desmedido. Havia que proceder  à recolha das nêsperas, não fora uma nova trovoada dar cabo do ouro que a natureza me oferecia de bandeja,  e  eis que, se não quando, como que a dizer “estive sempre aqui, não te abandonei, tonta,  e vou continuar a proteger-te nesta tempestade maior”, lá estava ele, o meu Loevenich. Incrivelmente, não tinha manchas notáveis ou marcas de destruição. Uma sujidade ligeira perfeitamente removível numa lavagem a 60º. Cinco meses aninhado na copa das árvores a ver mais alto a vida. E a sábia metáfora do meu professor de Sociologia, o saudoso Prof. Doutor Bettencourt da Câmara: “Amélia, nunca se esqueça, o anão às costas do gigante, vê mais alto…”. Exacto, Senhor Professor, o meu chapéu entendeu às costas da nespereira, a amplitude dos tempos e a necessidade do regresso. Entendeu a utilidade do gesto.
Hoje voltou ao seu lugar: a minha cabeça. 
Pois… “chapéus há muitos”. Mas este conhece de cor as raízes do meu pensamento. Estou daqui a ouvi-lo “palerma, chapéus há muitos…sorri!”

MC, 2020- [©all rights reserved]


“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...