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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Onde só o vento conseguia ter voz...

Dava-se conta de que a vida inteira a esperara. Não que a tivesse definido na claridade madrugadora dos seus dias iniciais, ou que a tivesse adivinhado líquida nos cântaros de que bebia, mas porque, naquele lugar, em certos momentos tão deserto, onde apenas a voz do vento se fazia ouvir a par de Bach, construíra, profundo, em si, o espaço côncavo para que viesse - agora a aragem estava limpa, as roseiras dispostas aleatoriamente esperavam a poda, as laranjeiras, em carreiras lineares, carregadas de bolas de sol nascente, aguardavam a colheita das suas mãos esguias, o vinho amadurecia em silêncio aconchegado no ventre da casa, frutífero, concentrado, aromático - o seu vinho, com taninos bem marcados, subia suave, noite a dentro, inebriando-o de sonhos e sedas e brocados...
Lá fora, nas brumas do planalto, um mar de verde começava a cobrir os pés das cepas, agasalhando a terra, evitando que endurecessem, em definitivo, com as geadas.
Em certas noites de luar, um rosto de lua cheia pousava tímido na cancela. Depois subia, em espiral, a um lugar distante - a vida era, na verdade, uma espiral contínua. Acendia um cigarro, sentava-se rente à janela, na cadeira predilecta, à fala com os pirilampos, até que, exausto, adormecia. Despertavam-no o canto dos galos, os arrulhos dos pombos, o piar faminto das poedeiras. Sereno, erguia-se, olhava a cancela e, ainda lá, a lua cheia, retrato sépia, a elevar-se vagarosa. No ciclo dos dias,
dentro de si, havia o tempo inteiro. A promessa molhada de um Inverno. E o fogo. O todo. A dádiva. A certeza de que desejava sentir a leveza dos pássaros - os seus passos -, na tijoleira da entrada. Encontrar jarras floridas, o cheiro do amor plasmado nos lençóis a cada madrugada de mãos dadas com o café que ambos, aninhados como gatos, beberiam devagar. Os cães por perto. A comungar de si, sem mais.
Inquietava-se na espera. Uma inquietação de ave livre na liberdade de se acorrentar. Tardava.
Viu-a. Umas calças de ganga, uma camisola de lã. Um casaco, longo, traçado. As mãos despidas, os lábios num sorriso, o cheiro exalado das brumas de Outono - desculpe, estou ligeiramente atrasada...
Abraçou-a. Nunca antes. Nunca a tocara. De estômago a estremecer, olhou-a, lua plasmada no arco dos seus braços. Acolhia-se ao calor daquele abraço, mínima. Sentiu-a. Desejou-a sua, no movimento lento das marés, a acasalar o vento. Desejou-a, de fronte a si, na sua mesa, na sua sala, na sua cama. Desejou-a a reinar nas paredes da casa. Um mar subiu-lhe aos olhos, adolescente. Não tentou neutralizar o efeito, intuiu a causa.
Sem aviso, como se fosse a coisa mais simples, como se fosse convidá-la a sentar, disparou:
Venha viver comigo, as roseiras estão por podar ... são suas todas as rosas....


Imagem da net, retirada daqui

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...