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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

domingo, 25 de setembro de 2011

lavanda e zimbre

 
a contornar-lhe os olhos, o cheiro limpo da lavanda.  ladeava a escada. subiu, não sem antes ter solto dos pés as sandálias de corda. gostava de sentir o frio do mármore como gostava de sentir os dias soltos entre os dedos. contudo estava presa a um tempo indeterminado.

riscos do seu próprio traço. ledo engano, que, de alegre triste se sabe. 







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Nota: Este blog esteve, lamentavelmente, atacado por software malicioso proveniente de widgests considerados inofensivos, entretanto  já removidos. Contou com a rápida ajuda da blogger, e, bem assim, com a informação e a ajuda preciosa de leitores amigos. Parece-me ultrapassada a situação, mas,  muito agradeço que, se de alguma forma, for detectado quaisquer problema,  tenham a bondade de enviar mail.

A todos,  um enorme e sincero bem-haja.
Espero poder  beneficiar da continuação das vossas visitas que muito dignificam o meu espaço.
Mel

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

espalhou o verão


espalhou o verão num tabuleiro de verga. colocou o xaile de cambraia afegã sobre os ombros desamparados e foi para o ponto mais ventoso da casa - tinha que se poupar a esforços, e, se aquela era a hora e aquele  o lugar, não haveria com que hesitar - soltou a alpista no epicentro da peneira, deixou que as cascas soltas vaiassem o verbo, deixou que ousassem colar-se à face antes que, respeitando a gravidade, tombassem na  tijoleira, deixou  ainda a arte da debulha galgar as várzeas e as serras  a tropel dos sentimentos, os últimos sempre  filhos pródigos retornados em  ombros ao brilho mortiço dos olhos,  e,  por ali ficou, no gemido das águas, suspicácia sua de folhear os dias em troca directa - entre si e a mãe-natureza sabia não existirem artifícios - tudo, mas efectivamente tudo,  se desvendava na forma simples e prismática  -, o sol,  a luz, a lua, e ele.  seu, no absoluto da posse, o mar, o oceano coralino das suas faces,  o mesmo que  lhe bebia o rio e o lodo das margens - ele, sempre ele, era-lhe, ainda assim, a quinta-essência paradigmática.

 espalhou-se com o verão na longitudinal dos meses verticais. a boca, em certos dias, sabia-lhe a sangue, o  sono era então inquietude preponderante. noutros dias, a boca era-lhe um lugar sem amo, fenda palatina onde mergulhava em silêncio,
diz que (assim escreveu no único bloco disponível, a toalha de  mesa,  com nódoas de café …)  por entre os mastros das pequenas embarcações o vê - ao rio.  azula-se, algo  acinzentado, a caminho da foz em cama áspera de correntes. a luz é-lhe leve, contudo, na planura mais profunda do tecido. aconchega o xaile,  soletra, em récita:  alpista, bago, bico, de-lacre, de lápis, pernalta da beira d'água,
geme baixinho ... aconchega o xaile à pele dos ombros, 

relocaliza o olhar por entre os mastros. no vislumbre 
a língua ténue das lezírias recobertas de restolhos amarelecidos, depois o céu, implume, onde castelos de nuvens brancas montam sem estribos o dia poente - o casario nas suas costas é-lhe indiferente, como indiferente o bulício do espaço onde se sentou consigo,
indemnes e cabisbaixos, são-lhe os olhos dos cães vadios, onde crava os seus, famélicos,  tristes, solitários, encravados no rosto, tisnado e já rugoso - de nada valem dos cremes e as mezinhas que se apregoam redentoras, a verdade afunila o tempo,  inquebrável,  a marcar-lhe o ritmo da passada, na, igualmente inquebrável força dos aturdidos pelos signos, em perseguição de miragem - a juventude não volta, vês? 

 madalena abre a mala, retira o livro, sofre de codícia literária, um apetite algo desordenado pela riqueza das palavras, nada intratável dizem-lhe as amigas, a zé, a jó, ambas psicólogas,  com quem toma o chá das quatro - o das cinco é, para ela que madruga antes dos corvos a quem estão destinadas funções de cães de fila em guarda das sementeiras no ardor da alvorada dos galos, e das ressacas dos padeiros, a hora britânica das cinco, é,  sublinha, quase tempo de ceia - janta cedo e dorme com as galinhas - há sempre um livro, um ombro amigo que a espera, enamorado, quando regressa aos claustros e a lua se espreguiça maquiavélica nas janelas e nas entranhas; abraça-o, engoda-o, amorosa e terna, toma-o, voraz, entre os dedos, aflora-lhe os lábios, e só depois, reconhecidos no acto consumado de entrega e posse, dá início à leitura tentando reposicionar-se no que lera antes, no dia anterior, na semana passada, no mês antecedente, o tempo não se  regula no tempo das páginas, a leitura é sempre diferente  quando retomada de outro ângulo; dá a si própria  o benefício da dúvida, o primeiro capítulo foi lido, se não recorda o enredo não importa, adiante. recomeça em leitura  no segundo, olha o marcador  que repõe, metodicamente, sob a mão esquerda, com a direita vai acompanhando a linha, letra a letra,

…até nos dias em que dizia que tinha esquecido, era sempre aquele o primeiro pensamento. mesmo nos dias em que o matava, era, em ressuscitação maior, que o tinha em si, mais largo que o vento, maior que as tempestades engolidas na boca da fala;  tudo me faz lembrar que te imagino  - a morte das árvores, até das mais sadias, são sinais inequívocos  de que,  se podem eu posso, morrer de pé, 
depois tu chegas, 
atravesso os restolhos, o labirinto sigiloso da metáfora, onde me escondo, dou de fronte com os chaparros, juro ouvir os urros dos javalis, o sinete grita a desfolhar do avesso os espigueiros, os cabelos secos do milho-rei, os chicotes varrem os versos vindos do sertão, vindos de além, algures sou moura - é alcácer-quibir sem  d.sebastião, são vogais como alcateias a soletrar a voracidade das fendas, a aridez desértica onde me perco, onde me acho, tu está perto de mim, sei o teu cheiro, conheço cada movimento de ti, talvez seja alcácer-do-sal, a janela de amaralis, a leveza de um texto, a premonição rasante ao olhar do cavalo alasão,  o porte grandioso, a cor aleonada,  de um tom amarelo-claro, extremidades carregadas. desmonto o puzzle, desconstruo o vórtice, o vértice, o ombro negro da espera,  a viuvez do tacto, os dedos têm agora as unhas verdes, soletram os bichos rastejantes - há uma vida inteira em cada peça, cada cortina, mesa, cama ou candelabro - há  ainda os teus lábios,  os meus lábios, a insistência compulsiva de te evocar nas hastes fintas do silêncio...
há ainda este lugar vazio, onde espalho o verão, o dedo indicador a impedir a perda,
em que lugar se perdeu de si, do texto, em que lugar do compêndio se fez, do desvio, a norma - foram sempre restritos os seus códigos e consonante a conduta, até que, 
madalena, 
que importa isso agora? há oito dias poderia ter sido importante, o verão ainda estava lá,  espalhado no tabuleiro das damas, no jogo de xadrez, o corpo sabia a sal e as moscas azougavam as orelhas moucas das mulas, sentava-se na beira de água, era criança com rugas, não tinha BI nem identidade reconhecida,
havia um pessegueiro na ilha, bem sei, fui eu mesmo que consumi o pêssego e fiz peixinho com o caroço. o miúdo riu-se, és uma tonta tia. não acreditas?, que me importa,  mas fui eu,  sim,
havia burros, também. são espécimen desprotegida; na ilha faziam, como nós,  a travessia na maré-baixa… por vezes a onda, bem sei, a onda,  a canga, a carga toda...

bem sabia -  era perniciosa a natureza das coisas, mas maior seria a saliência onde se enrugavam as formas puras, o leite coalhava e o queijo fermentava no inverno das têmporas;  o verão, benilde,  o verão é sempre o tempo de todas as misérias, sabes?, disse-lhe. as moscas andam mais tontas, infestam os quintais e as latrinas a que esta gente insiste em chamar, pomposamente, de wc's. tu entras e cheiram à cerveja das noitadas dos magotes de turistas, e, em lugares como este, por mais que queira, o maravilhosos das letras não se manifesta na fala dos homens - todos temos  uma puta, olha que a frase não é minha, mas é como se fosse, sublinho-a e repito-a, uma puta, uma muleta, um cigarro fora de horas, umas litradas de cerveja, uns copos de tinto, alguns acumulam putas ao longo da vida, como se, sem vida própria, a própria vida, fosse um bordel de terceira categoria - perdem a essência e não se equilibram no eixo cartesiano  da brisa cristalina colhida na palma da mão das manhãs de estio antes do chicotear do vento, ou, menos ainda, temem  porque temem,  em beber da mão humana a humidade primeira. em suma, zabaneiros por vocação de índole, trocam a felicidade por uma rapadura de porcos, desde que a malga esteja cheia, o copo transborde, não sabem das planícies, e, talvez por isso, a vidas é-lhes uma espécie de deserto eriçado. como um ouriço, rolam sobre pedaços bolorentos de maça,  ainda que os espinhos sejam,  tão-só,  afectos emprestados,
deu-te para filosofar? não, de todo, benilde, apenas te falo da matéria-prima de que se fazem os mitos nos verões de praia, 

... vou contar-te uma história. hoje, como os demais dias, foi-me impossível, sentada aqui, neste lugar  onde espalhei o verão,  não  me instalar algures entre a profissão e a curiosidade mórbida de ouvir  baboseiras, 
dir-me-ás, é feio, muito feio, escutar conversa alheia, bem sei, mas, por momentos, para mim, o homem  ou a mulher, tanto faz, que ali escuto, cede lugar a uma personagem, a um actor em palco - não sei quem é nem isso me importa, recorto-o da cena, o técnico lá de cima coloca-lhe o microfone e oiço, mas oiço claramente - tenho ouvidos de tísica, oiço o que quero e o que não quero;  por vezes é um inferno, benilde, como naquele dia em nisa, às portas de montalvão, em que os agudos do sino da igreja matriz quase me endoideceram, mas hoje foi assim:  ó pá, chouriço, está aqui a meu lado o cremalheira, diz que vais dar uma festa ai em casa, ó chouriço tu esqueceste-te de mim? … logo, às seis? só uns copos e umas gajas? e que mais é preciso? gostava de ir ai, pois claro, ó chouriço, porra pá, sou teu amigo, pois, entendo, mas vá lá... é um favor que me fazes, quem não aparece, esquece... obrigado, mas obrigado mesmo, fico-te a dever  uma, mas  claro que sim, não te causo problemas, é gente fina, mas claro, chouriço, então está  combinado…

três passos e uns quilos de areia mais tarde: ó fininha, a sério, aqui o "je" não sabe para onde  se voltar, a malta não sossega, imagina tu que acabei de ser convidado para ir à ericeira a casa do chouriço, que não posso deixar de ir, que faço lá falta, e, se o amigo pede, e me pede com tanto afinco (está enrascado) ó  fininha,  como pode um gajo dizer que não? …mas é um favor que lhe faço,  que fique bem claro, que fique,  vão ter que me pagar em "géneros", bem vês ... a minha hora tem preço, e preço altoooooo...

 deixou o verão espalhado sob a laje do chão, lugar de repouso dos sonhos mortos - perniciosa era-lhe a natureza das coisas, repetia, acrescentando:  - e a impaciência dos homens. sabia-se frágil.  fez orelhas moucas à ventania, adentrou-se no jardim, as mãos a apanharem das árvores, dos arbustos, a multitude das formas e dos frutos, as amoras das silvas, as ameixas maduras,  e estas, impúdicas,  a tingirem-lhe a blusa envelhecida pelos pecados sem vícios; em simultâneo avançou, os quatro membros em movimento,  sentiu carumas a suturarem-lhe feridas sediciosas, desobedientes em se fecharem, prédicas do seu corpo aos pecados da alma - um palmo, um palmo apenas, benilde, disse-lhe ainda,
um palmo dista da boca à  razão cerebral  e outro palmo, da boca ao coração.  aqui -  apontou o seio esquerdo - , aqui,  benilde, 
a vegetação é nada agora,  no pinhal o sol esturra, e, quando a noite desce e sobe a bruma  logo a seguir em ciclo inverso, quando se aparta a noite do dia alvo, surge, por certo, no topo do monte, o sol raiado... e, no lodo do rio, o catre em que  agonizam os dias infindáveis,

 chamou os gatos e os esquilos para catar o feijão, os cães sabia-os ocupados a guardar as uvas, as andorinhas a ralar a bruma no esforço de soltar a alpista da casca - a cada um, tarefas suas, exclusivas - importa a divisão do pão, a especialização já não se usa. 
rentabiliza os esforços, 
 depois,   liberta  do que, sem préstimo,  se desprende dos dedos, subiu a alfazema dos degraus, correu as cortinas  -  era a hora da codícia,  a tal a que se entregava, noite após noite, 

        dela(s) eram  amplos os caminhos que nascem com o sol e nele findam, pó assente na inverossímil rota  das sedas de um fundo antigo. ouviu ainda, diria próximo, o torpor arrastado da grande ceifeira; ouviu ainda, sem que quisesse, no azar de ter ouvidos de tísica: a senhora está morta...


“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...