Além daquilo que faz chorar os poetas, que faz com que
os soldados se lancem para a frente e percam a vida
à luz do sol: que será, Bill?
(Carl Sandburg)
Morriam
lado a lado como peixes podres com os olhos esbugalhados ao ridículo da
questão. Por vezes, quando o Inverno lavrava leivas desapegas na argila
lisa, improperando os terrenos à caminhada, impondo tempos de pousio em
vésperas de cultivo das novidades, quando o frio antecipava a morte e
lhes impregnava a pele no mofo de pregas vincadas - "féleo jugo" de ser
pó e ao pó voltar -, davam-se conta, ainda que de forma ténue e nunca
verbalizada, de que, dia a dia, esmoreciam de vontades e de futuros em
afasias e extemporaneidades. Aí os dedos aproximavam-se aos gestos.
Mas
não havia liturgias nem salmos nem oráculos divinos. Tudo era, à luz
negrejada pela noite lá fora (e dentro de cada um) uma espécie de função
utilitária onde só os corpos fermentavam em leveduras requentadas; os
olhares, de baços, já não se nutriam de palavras e, dia a dia, morriam.
No canto espúrio dos olhos dela, por vezes havia ainda uma luz, centelha
fortíssima à força de pedra. Jade, onde as lágrimas resilientes nascidas
algures numa nascente de serra se retalhavam antes de tombarem largas a
eviscerarem, iguais às chuvas torrenciais, o tecido do rosto. No canto
espúrio dos olhos dele, no modo inverso, parecia já não haver espaço a
manietações gravíticas, inquietações, desideratos sódios ou sequer
projectos adocicados.
Em
tangência virtual, vendiam-se ao tempo que passa, por dois reis de
sobrevivência. Em litologias de anjos barrocos e olhares de peixes
mortos.
Dela ainda a esperança de ser Fénix. Além do que fazia chorar os peixes. Vertebrados.
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Publicado in A Arte pela Escrita, Três, pg. 164, Mosaico das Palavras, Editora, Rio Tinto, 2010