Sobre mim ...

A minha foto
Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

terça-feira, 24 de junho de 2008

estrada interdita

não sei de onde
nem quando
ou em que era ou idade, se na do Bronze
ou se em puberdades d’antanho,
nasceu em mim a fome de ser quem sou de verdade:

um mar
um oceano de facto

que não abarco
que não sustenho
que me esgota do choro ao riso,

por onde navegam sem custo batéis (in)constantes de papel e de palavras,
sem rimas e sem nexo,
ofuscados d’anímicas por um sol excessivo.

cega, indago fórmulas secretas em busca da raiz perdida, matematizo números, dos inteiros aos fraccionários, dos reais aos imaginários, muno-me da vassoura de bruxa e, sem nenhum esforço corro com os fantasmas todos, um a um, da sala escura à vassourada…

desço e subo a escada, (dizem que conduz ao paraíso)
deslizo pelos supranumerários…
(estes, dos muitos gabinetes, sem reciclagem possível. incrível, como a traça não destrói a permanente bagunçada, que bem precisa!!! ).

numa loucura concisa proponho tempos novos ao tempo.
um tempo em que, maestrina, de batuta descoordenada, assumo meu e dirijo num ritmo alucinado de um cansado metrónomo.

na vanguarda de mim
viro cento e oitenta graus a cabeça
(que a tenho suspensa por um único osso, quase, quase despegada, já meio degolada…)

olho os meus bolsos de trás, aqueles onde guardei uma centelha de esperança. tem a cor robusta das moçoilas da aldeia, das papoilas erguidas nas searas da vida, com que incendeio o caos que sempre m’habita, de forma permanente (direi que infinita), este, que em cada poema se solta dos terminais dos dedos e transita em julgado, sem método, sem regra outra, e s’eleva em vagidos de sons, banda em dia de festa, no centro de um coreto, ali, ao lado do lago, onde vislumbro o canto incessante de um cisne, se me busco pecadora confessa, na desventura e na desdita de, num registo telúrico, de movimento impreciso, ousar rebuscar a forma harmónica na ogiva inacabada de uma estrada interdita.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

"...as novidades são dois dias"

Tinha-o deixado lá muito atrás, umas décadas atrás, direi. Tinha-o deixado “arrumado” nas memórias de um 5º Ano de Liceu (9º agora) deveras atribulado.

Corria o ano de 1976. A revolução dos cravos estava no seu auge. Eram adolescentes, ávidos de saber, de viver, de ser. Ela, a delegada de turma, para além de ser membro da associação de estudantes. Ele fazia parte daqueles colegas de quem se guarda um sorriso - que o tinha sempre nos lábios -, uma voz marcante e uma delicadeza de trato e no trato autênticas, tão escassas em jovens daquela idade e, demais a mais, num período de pós-revolução em que os direitos adquiridos pareciam querer por em perigo a polidez e a cortesia, assentando na boca de rapazes e raparigas, até ai comedidos no vernáculo e no deselegante da verve, palavras menos airosas. Não nele, correctíssimo, para além de deter uma imagem de príncipe loiro. Não necessariamente um príncipe consorte, que tais sentimentos não cabiam na conjuntura…

Provinham de classes sociais diferentes, ele e ela. Ele, de uma burguesia campesina, ligada às tradições tauromáquicas, às Lezírias. Ela, ligada igualmente à terra, por via de seus avós maternos, pequenos lavradores. Ele tinha as herdades (se bem que à época, mercê do 25 de Abril, as mesmas estivessem ocupadas e transformadas em cooperativas agrícolas de produção), ela apenas uns pedaços de terra que tios e primos não cultivavam mas pelos quais se digladiavam. Ele criado com criadas, ela habituada desde tenra idade a ter de “comer o pão que o diabo amassou”, a ter de executar uma a uma todas as tarefas da casa, a ter de acompanhar os pais nas idas nocturnas a mercados (tinham-se dedicado ao comércio, entretanto).

Em comum, pouco ou nada teriam, em boa verdade, a não ser o olhar edílico e sonhador sobre o mundo, fortes convicções, e posicionamentos políticos diferentes, se bem que na essência das coisas, muito próximos. Humanitários.

Fossem quais fossem as razões, sempre foram amigos. Não de se visitarem ou trocarem telefones, não de andarem a trocar beijos por dá cá aquela palha, mas de se abraçarem sinceramente quando se cruzavam. Sem mais. De desejarem no fundo de si mesmos que cada um encontrasse o seu caminho e fosse o mais possível, feliz, sem que o tivessem publicamente anunciado.

Cedo se separaram e se perderam. Moravam a 10 Km de distância mas os seus mundos não se cruzavam. Até àquela tarde.

Mariana, vamos chamar-lhe assim, saiu do seu trabalho e, à semelhança de tantos outros dias, dirigiu-se a uma grande superfície próxima. Daquelas em que, para além do supermercado, e em seu redor, “n” lojas de “n” coisas se localizam e onde se vende da roupa ao calçado, passando por lavandarias e farmácias. Era-lhe confortável poder, num só acto, efectuar todas as tarefas rotineiras de sua casa. De família alargada, casada e mãe de três filhos, nada parecia chegar nunca. Saturava-se com aquelas “ninharias”, a busca de lugares onde os bens fossem mais acessíveis, a procura diária dos melhores produtos… a sua mente andava sempre a mil e, não raras vezes, se despistava e se perdia no emaranhado dos corredores, ou abandonava o carrinho de compras num local, ia buscar os bens e, ao invés do seu, agarrava outro qualquer … era, em boa verdade, despistada. Não via nada nem ninguém, se bem que os seus olhos parecessem sempre querer abarcar o mundo (talvez quisessem, mas a dimensão era outra …).

Entrou numa loja de modas, duma marca “branca”. Tinha um vale para rebater, um bónus duma compra anterior. Não pretendia gastar mais dinheiro. Pesquisou o equilíbrio entre a utilidade e o valor do mesmo. Seleccionou. Levaria aquela camisa para o filho mais velho. Estava decidido.

De repente, a seu lado, uma voz. Falava com uma criança, fazia-se acompanhar com uma senhora de cerca de sessenta anos. Olhou, magnetizada. Olhou de novo. O conjunto formado pelos seus “vizinhos de compras” era heterogéneo. Familiar, mas “estranho”. Não se consubstanciava como pai/avó/neta … De todo não.

Mas o que na verdade a prendera era a voz. Conhecia-a. Mas não conhecia ou reconhecia o seu dono. De barba comprida e quase branca, alto, bastante alto, vestido de forma muito simples, com alguns quilos a mais que o devido … Não conhecia, definitivamente não conhecia. Afastou-se, tentando não olhar mais. Mas não conseguia. Mecanicamente colocou-os de novo na sua linha de visão … Continuavam a falar. Percebeu que, tal como havia intuído, a senhora não era familiar, mas sim criada, governante ou algo similar.

De repente tudo ficou claro. Era o António (chamemos-lhe assim). O António Albuquerque, da Quinta das Orquídeas. Como por magia, como se sentada num cinema antigo, via claramente o filme da sua juventude.
Olhou-o descaradamente e esperou que ele sentisse o peso do seu olhar. António virou-se, encontrou os seus olhos, o seu sorriso…
Sentindo-se observado, esboçou timidamente um sorriso. O tamanho da figura e a timidez do sorriso, confirmaram a sua convicção. Era o António, seu colega e amigo.

- Olá António, tu és o António…
- Sim… mas não a conheço…
- Conheces sim. Olha bem para mim…

António olhava-a agora, céptico. Na sua frente uma mulher meio grisalha, com uma jeans usadas, uma camisola de malha roxa, igualmente usada. Sem pinturas, excepção as unhas… para o “cheio”, sem ser gorda …

- Mariana, tu és a Mariana … rapariga, só te restam os olhos… eras loura, onde deixaste o cabelo?
Sorrindo, acrescentou: - E o resto?.. Bem!!! ... Desculpa, desculpa…

Riam-se ambos, abraçados, perante o olhar estupefacto dos vendedores e dos demais. Perante o olhar incrédulo da criança e da criada. António apresou-se a apresentá-la:

- Menina, esta senhora foi colega do papá, no Liceu; Rosália, a D. Mariana é uma amiga de longa data … minha colega de Liceu, a Rosália não a conhecia, não costumava ir lá a casa…

O diálogo retomado como se não houvesse entre eles a distância de mais de trinta anos. A urgência de saber do outro… da vida do outro. Do bem-estar do outro. Alheios a tudo o resto.
António falou de si, do seu casamento, do seu divórcio. Das suas irmãs, das suas primas. Dos seus projectos, dos sucessos e dos insucessos de uma vida inteira. Formado em Direito. De como havia ganho e perdido várias batalhas.
Mariana de si, de coisas iguais. Formada em Psicologia…. De como fazia a gestão das crises… das suas próprias crises, das crises dos seus pacientes… existenciais e outras.
Riram como riam quando se contradiziam politicamente e no fim concluíam que afinal em quadrantes diferentes eram tão iguais.
No fim de tudo, e em jeito de conclusão, António foi dizendo:
- Sabes Mariana, a questão é que hoje em dia se perdeu o hábito de cerzir, remendar, passajar. Aproveitar. Reaproveitar. E se é assim na economia doméstica, como melhor do que eu sabes, é assim nas relações humanas… é a política do usa e deita fora. A começar pelas ligações afectivas. E, minha querida Mariana… na verdade, tu que como eu és da terra, sabes que “as novidades são dois dias…”

Neste registo a conversa fluía. António estava ali para ajudar uma das suas filhas a comprar, tal como foi dizendo, “uns trapos” para ir a um casamento no dia seguinte. Ali, numa loja de linha “branca”….

Havia que economizar, habituara-se a fazê-lo desde sempre, em especial quando toda a família se viu sem recursos com as terras ocupadas. Era avesso a desperdícios de qualquer espécie. Reajustar, reutilizar. Minimizar os gastos…

- Ela está a crescer, Mariana… não vale a pena gastar muito.
- Claro que não...
Mariana sorria. António continuava tão igual a si, mas tão igual.
Dirigiram-se ambos para a caixa com as suas compras. António pagou, Mariana entregou o vale…

- Não tem nada a pagar, minha senhora.
- Obrigada, boa tarde.
- Não tens nada a pagar? Bem, ainda consegues ser pior que eu, rapariga….

Riram de novo. Riram novamente...

Já fora da loja, abraçaram-se francamente emocionados por aquele encontro. Mariana avançou para as restantes compras, António igualmente. Separaram-se.
Talvez um dia, num qualquer supermercado, a vida lhes cruze os corredores. Enquanto não, perdurará por certo em cada um o prazer genuíno de um reencontro, maior que todas as novidades, que essas “são dois dias”…

segunda-feira, 9 de junho de 2008

10 de Junho, Viana

Há uma solidão de braços e de pernas
meu amor
Roda de feira, gigante, palco de vaidades em que balançamos suspensos
Apensos
ao equilíbrio imposto pelas leis da gravitação, da gravidade dos corpos e nos encontramos grávidos de espanto (ainda).
Existe um movimento oscilatório, pendular, lupanar (também)
d’artefactos soltos
de relógios antigos em alacridade insanas. Clic-clac(s) de dor e cor. Feéricos clamores acesos num ribeiro manso que corre lento p’ro mar.

Há um registo hidrográfico de caudais de cheias que nos lembram as percas de searas, sementeiras de trigo, de milho e de arroz, quando as Lezírias se alagam com as águas derivadas de todos os montes, quando as barragens a norte abertas, detonam sem contenção, gravilhas e mísseis dalgum navio fundeado com roturas no porão.
De Viana, talvez, em dia de comemoração.

Naval se faz o verbo e o rio é Lima. Lima laranja, d’acidez e paleação. Futilidades várias.
Paliativos os cuidados ambíguos consignados a um povo que, vivo, definha e morre. À luz já difusa e imprecisa dos Direitos consagrados em Constituição.
Esquecida, olvida, adormecida em qualquer lugar
“… a educação, a habitação, a saúde, a dignidade …”

É tempo de ser verdade, pois então!!!!

Subaz
um gosto azedo a tilintar o palato, a encortiçar a língua. A língua de um povo que grita poesia na fúria das suas guelras. Um povo que vibra no sal salgado das suas margens. A pele retinta nas cores dos cinco continentes “todos iguais, todos diferentes”. Pois!!!!

Ah, este mar de rugas e de vielas largas, este mar onde os auto-estradas ainda têm cancelas… e as docas são portos onde navios de guerra se estiolam na insensatez d’amaragem. Sem cautelas, sem aulas de boas práticas, de navegação.

Comemora-se o acto de renascer Nação. Talvez.

Um gramofone ecoa agora semibreves e colcheias
E mais além um termómetro
em que o mercúrio há muito disparou todas as escalas, de um povo que agoniza já em fome. Fome de escola, de pratos cheios com as letras de todos os alfabetos. Fome de afectos. Fome de que nunca estes tenham que ser legislados por Portarias e Decretos.

Basta de sermos bestas e de gerarmos ventres de inumanidade.
Nasçam poetas, por favor, com trigo a jorrar pela boca e sangue vivo nas guelras. Mulheres, não tendes medo, abríeis as pernas pari em amor se amadas fordes em acto de ser amor. Que esta Nação necessita de sangue novo, de crianças a correr e a plantar cravos e rosas em contradição. Que seja então!


Existem falas
meu amor…
Falas que um ponto escondido nos revela de uma peça de que não sabemos o términus, o início. E durante a qual, embalados no canto da letargia, temo, adormecemos um dia.
Soltemos agora as palavras: térmitas em guerra nas entranhas da terra.

Existem esotéricas linhas d’horizonte, por onde à solta gravitam isótopos desprendidos de uma qualquer infusão. Ou talvez não ...

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...