Dava-se conta de que a vida inteira a esperara. Não que a tivesse definido na claridade madrugadora dos seus dias iniciais, ou que a tivesse adivinhado líquida nos cântaros de que bebia, mas porque, naquele lugar, em certos momentos tão deserto, onde apenas a voz do vento se fazia ouvir a par de Bach, construíra, profundo, em si, o espaço côncavo para que viesse - agora a aragem estava limpa, as roseiras dispostas aleatoriamente esperavam a poda, as laranjeiras, em carreiras lineares, carregadas de bolas de sol nascente, aguardavam a colheita das suas mãos esguias, o vinho amadurecia em silêncio aconchegado no ventre da casa, frutífero, concentrado, aromático - o seu vinho, com taninos bem marcados, subia suave, noite a dentro, inebriando-o de sonhos e sedas e brocados...
Lá fora, nas brumas do planalto, um mar de verde começava a cobrir os pés das cepas, agasalhando a terra, evitando que endurecessem, em definitivo, com as geadas.
Em certas noites de luar, um rosto de lua cheia pousava tímido na cancela. Depois subia, em espiral, a um lugar distante - a vida era, na verdade, uma espiral contínua. Acendia um cigarro, sentava-se rente à janela, na cadeira predilecta, à fala com os pirilampos, até que, exausto, adormecia. Despertavam-no o canto dos galos, os arrulhos dos pombos, o piar faminto das poedeiras. Sereno, erguia-se, olhava a cancela e, ainda lá, a lua cheia, retrato sépia, a elevar-se vagarosa. No ciclo dos dias,
dentro de si, havia o tempo inteiro. A promessa molhada de um Inverno. E o fogo. O todo. A dádiva. A certeza de que desejava sentir a leveza dos pássaros - os seus passos -, na tijoleira da entrada. Encontrar jarras floridas, o cheiro do amor plasmado nos lençóis a cada madrugada de mãos dadas com o café que ambos, aninhados como gatos, beberiam devagar. Os cães por perto. A comungar de si, sem mais.
Inquietava-se na espera. Uma inquietação de ave livre na liberdade de se acorrentar. Tardava.
Viu-a. Umas calças de ganga, uma camisola de lã. Um casaco, longo, traçado. As mãos despidas, os lábios num sorriso, o cheiro exalado das brumas de Outono - desculpe, estou ligeiramente atrasada...
Abraçou-a. Nunca antes. Nunca a tocara. De estômago a estremecer, olhou-a, lua plasmada no arco dos seus braços. Acolhia-se ao calor daquele abraço, mínima. Sentiu-a. Desejou-a sua, no movimento lento das marés, a acasalar o vento. Desejou-a, de fronte a si, na sua mesa, na sua sala, na sua cama. Desejou-a a reinar nas paredes da casa. Um mar subiu-lhe aos olhos, adolescente. Não tentou neutralizar o efeito, intuiu a causa.
Sem aviso, como se fosse a coisa mais simples, como se fosse convidá-la a sentar, disparou:
Venha viver comigo, as roseiras estão por podar ... são suas todas as rosas....
Lá fora, nas brumas do planalto, um mar de verde começava a cobrir os pés das cepas, agasalhando a terra, evitando que endurecessem, em definitivo, com as geadas.
Em certas noites de luar, um rosto de lua cheia pousava tímido na cancela. Depois subia, em espiral, a um lugar distante - a vida era, na verdade, uma espiral contínua. Acendia um cigarro, sentava-se rente à janela, na cadeira predilecta, à fala com os pirilampos, até que, exausto, adormecia. Despertavam-no o canto dos galos, os arrulhos dos pombos, o piar faminto das poedeiras. Sereno, erguia-se, olhava a cancela e, ainda lá, a lua cheia, retrato sépia, a elevar-se vagarosa. No ciclo dos dias,
dentro de si, havia o tempo inteiro. A promessa molhada de um Inverno. E o fogo. O todo. A dádiva. A certeza de que desejava sentir a leveza dos pássaros - os seus passos -, na tijoleira da entrada. Encontrar jarras floridas, o cheiro do amor plasmado nos lençóis a cada madrugada de mãos dadas com o café que ambos, aninhados como gatos, beberiam devagar. Os cães por perto. A comungar de si, sem mais.
Inquietava-se na espera. Uma inquietação de ave livre na liberdade de se acorrentar. Tardava.
Viu-a. Umas calças de ganga, uma camisola de lã. Um casaco, longo, traçado. As mãos despidas, os lábios num sorriso, o cheiro exalado das brumas de Outono - desculpe, estou ligeiramente atrasada...
Abraçou-a. Nunca antes. Nunca a tocara. De estômago a estremecer, olhou-a, lua plasmada no arco dos seus braços. Acolhia-se ao calor daquele abraço, mínima. Sentiu-a. Desejou-a sua, no movimento lento das marés, a acasalar o vento. Desejou-a, de fronte a si, na sua mesa, na sua sala, na sua cama. Desejou-a a reinar nas paredes da casa. Um mar subiu-lhe aos olhos, adolescente. Não tentou neutralizar o efeito, intuiu a causa.
Sem aviso, como se fosse a coisa mais simples, como se fosse convidá-la a sentar, disparou:
Venha viver comigo, as roseiras estão por podar ... são suas todas as rosas....
Imagem da net, retirada daqui