“Que me importa?
Se as tardes purpurinas /E as auroras dali/
Não deram luz às diáfanas cortinas /Do leito onde eu nasci?...
Se as tardes purpurinas /E as auroras dali/
Não deram luz às diáfanas cortinas /Do leito onde eu nasci?...
Hoje é o primeiro dia de Inverno. Do Inverno de muitas vidas como a minha, aqui na casa. Da copa já se adivinham os cheiros da canela e da farinha. Chegam mestiços até mim. Resfriou, levantei-me cedo, não há televisão nos quartos, ouvi rádio. A temperatura vai continuar a descer, nevar, talvez, pensei , e, talvez por isso, em busca de um não sei o quê, um atavio, um laço, um espelho, uma memória minha – espécie de agasalho íntimo –, os meus braços agarraram o vazio, em redor do nada em que ficaram palavras por dizer estranguladas na garganta. Encubro os olhos, as mãos postas. Viajo: recordo um frio gélido que acompanhou a tua partida; os teus passos miúdos, adolescentes (a adolescência é um estado de alma, intemporal) no corredor das nossas vidas. Não te vi o rosto, não sei sequer quando fechaste a porta atrás de ti. Na solidão, tentei olhar o Sol de frente, pela fresta aberta da janela poente, a mesma janela por onde tantas vezes vimos juntos o entardecer.
Sustive a respiração e esperei que voltasses, ainda que por um breve instante, para resgatar do vento o abraço que era teu, o abraço que te prometera dar e nunca dera – um abraço para a vida, além da vida, quem sabe?
Mas não, não vieste... os segundos que passaram entre a tua partida e o meu regresso à realidade – uma realidade de onde quero agora partir também – os segundos, dizia, pareceram-me eternidades. Todo o meu ser em busca do teu ser e, entre nós, o mundo! “um mundo com mundos por dentro…”, um mundo em vésperas de ser Natal, um mundo em que as árvores esticavam galhos – ontem como hoje –, e aguardavam que nelas fossem dispostos sonhos e esperanças, sob a forma de bolas, fitas, guloseimas e luzes reluzentes.
Os meus braços, em forma de galhos, tombados há minutos (ou há mais de cem anos, que sei eu do tempo?...) erguem-se secos, pedúnculos hirtos, e aguardam, como naquele tempo, que neles deposites, igualmente, sonhos e esperanças, sob a forma de abraços, ternuras e afectos.
E os meus olhos, esses, côncavos e engelhados, feridos desta claridade opaca que nenhuma cortina filtra, e já sem brilho, deixam cair lágrimas atónitas, cadentes. Confesso, correm velozes e já são luzes, formam grinaldas, formam correntes,
e, logo, logo, se iluminam
com um brilho mágico de Natal. Dizem, até: D. Cilinha, pela senhora o tempo não passa, sempre risonha ... sabem lá!!!...
Iluminam-se de um brilho que a todos devolvo, em celebração de ti - porque, na árvore da minha vida, resplandecentes, brilhavam àquele tempo, mais de mil pontos, sempre aos pares, de várias cores, verdes, azuis, verde-jade, verde-escuros, verde-água, azuis marinhos, azuis mais claros, cinzas, castanhos-trigo, castanhos-terra, castanhos-barro, castanhos-oiro, ou talvez não…, e brilhavam, até há momentos (parece que foi há momentos, mas não te posso jurar há quantos séculos, meu amor ...) os teus, de um castanho-negrume profundo, de um negro triste e tão sentido, que, por instantes, todos os outros se desvaneciam para te deixar refulgir, uníssonos. Depois partiste. Estou em dizer que seria um dia como o de hoje, invernoso, atabalhoado, frio...
No tudo mais, que importa? Talvez a evidência lúcida de que a minha árvore de Natal, de mil brilhos, de mil bolas, está agora às escuras, sem o fulgor do teu olhar, sem a chama que alimentava a magia desse e de cada Natal,
Sustive a respiração e esperei que voltasses, ainda que por um breve instante, para resgatar do vento o abraço que era teu, o abraço que te prometera dar e nunca dera – um abraço para a vida, além da vida, quem sabe?
Mas não, não vieste... os segundos que passaram entre a tua partida e o meu regresso à realidade – uma realidade de onde quero agora partir também – os segundos, dizia, pareceram-me eternidades. Todo o meu ser em busca do teu ser e, entre nós, o mundo! “um mundo com mundos por dentro…”, um mundo em vésperas de ser Natal, um mundo em que as árvores esticavam galhos – ontem como hoje –, e aguardavam que nelas fossem dispostos sonhos e esperanças, sob a forma de bolas, fitas, guloseimas e luzes reluzentes.
Os meus braços, em forma de galhos, tombados há minutos (ou há mais de cem anos, que sei eu do tempo?...) erguem-se secos, pedúnculos hirtos, e aguardam, como naquele tempo, que neles deposites, igualmente, sonhos e esperanças, sob a forma de abraços, ternuras e afectos.
E os meus olhos, esses, côncavos e engelhados, feridos desta claridade opaca que nenhuma cortina filtra, e já sem brilho, deixam cair lágrimas atónitas, cadentes. Confesso, correm velozes e já são luzes, formam grinaldas, formam correntes,
e, logo, logo, se iluminam
com um brilho mágico de Natal. Dizem, até: D. Cilinha, pela senhora o tempo não passa, sempre risonha ... sabem lá!!!...
Iluminam-se de um brilho que a todos devolvo, em celebração de ti - porque, na árvore da minha vida, resplandecentes, brilhavam àquele tempo, mais de mil pontos, sempre aos pares, de várias cores, verdes, azuis, verde-jade, verde-escuros, verde-água, azuis marinhos, azuis mais claros, cinzas, castanhos-trigo, castanhos-terra, castanhos-barro, castanhos-oiro, ou talvez não…, e brilhavam, até há momentos (parece que foi há momentos, mas não te posso jurar há quantos séculos, meu amor ...) os teus, de um castanho-negrume profundo, de um negro triste e tão sentido, que, por instantes, todos os outros se desvaneciam para te deixar refulgir, uníssonos. Depois partiste. Estou em dizer que seria um dia como o de hoje, invernoso, atabalhoado, frio...
No tudo mais, que importa? Talvez a evidência lúcida de que a minha árvore de Natal, de mil brilhos, de mil bolas, está agora às escuras, sem o fulgor do teu olhar, sem a chama que alimentava a magia desse e de cada Natal,
sem néctar, sem seiva, sem terra, sem água, sem chão, sem vento... o vento sopra aqui dentro,
(doí-me esta casa de amar)
mil prendas por abrir, mil gestos por desenvolver, foi tudo o que restou junto da árvore apagada, sem brilho e sem calor. Guloseimas, doces de mel e de fel, nuvens e sonhos (tantos sonhos) de Natal - tudo o que desejei para a noite de todas as noites, perdido num só instante, gota a gota, e logo um lago, um rio, um mar, um Oceano, crescendo, desmesurado, sem controle, fronteira ou margem,
cobrindo tudo, num azul-verde de lágrimas e pranto, de perdas e solidão, foi tão-somente o que restou ...
Abro os olhos de levinho, de mansinho, agito os braços, de levinho, de mansinho, e logo, logo, como por magia, a árvore da vida – a Vida é um Dom – te trará de volta,
e os meus braços serão teus braços, os meus olhos serão teus olhos,
tu és a minha luz, o meu calor, tu és o meu chão, o meu ar, a seiva de que me alimento, tu, meu filho, meu pai, meu irmão, meu homem - somatizo tudo, todas as perdas
na palavra solidão ...
“És”... (ou sou eu)?... se tu, para que eu viva, de mim me és,
proximidade,
continuação? tão enorme o espelho da vida…
Não sei mais nada, sabendo que,
quando o Sol poente tombar na janela da minha banal existência, estejas onde estiveres, estarás lá, para me segurar as mãos, me amparar no caminho, nessa viagem onde hoje, mais do que nunca, sei que te encontrarei de novo, numa história interminável, nos tempos dos tempos.
(doí-me esta casa de amar)
mil prendas por abrir, mil gestos por desenvolver, foi tudo o que restou junto da árvore apagada, sem brilho e sem calor. Guloseimas, doces de mel e de fel, nuvens e sonhos (tantos sonhos) de Natal - tudo o que desejei para a noite de todas as noites, perdido num só instante, gota a gota, e logo um lago, um rio, um mar, um Oceano, crescendo, desmesurado, sem controle, fronteira ou margem,
cobrindo tudo, num azul-verde de lágrimas e pranto, de perdas e solidão, foi tão-somente o que restou ...
Abro os olhos de levinho, de mansinho, agito os braços, de levinho, de mansinho, e logo, logo, como por magia, a árvore da vida – a Vida é um Dom – te trará de volta,
e os meus braços serão teus braços, os meus olhos serão teus olhos,
tu és a minha luz, o meu calor, tu és o meu chão, o meu ar, a seiva de que me alimento, tu, meu filho, meu pai, meu irmão, meu homem - somatizo tudo, todas as perdas
na palavra solidão ...
“És”... (ou sou eu)?... se tu, para que eu viva, de mim me és,
proximidade,
continuação? tão enorme o espelho da vida…
Não sei mais nada, sabendo que,
quando o Sol poente tombar na janela da minha banal existência, estejas onde estiveres, estarás lá, para me segurar as mãos, me amparar no caminho, nessa viagem onde hoje, mais do que nunca, sei que te encontrarei de novo, numa história interminável, nos tempos dos tempos.
Do tanto que nos une, o que nos separa? Não sei, nunca entendi, e, em boa verdade, acho que não desejo entender, envelheci, a pele enrugou, estou cansada.
Da copa vem mais forte o cheiro a fritos, a chá de menta, há vozes que me apelam,
sorrio a todos, dizem que é Inverno, que hoje foi o Solstício de Inverno. Eu não sei dessas coisas, nem de tantas outras - são liturgias confusas em estrelas de cinco pontas.
Abrevio, na essência: Celebro o teu nome – chamei-te Salvador - e aguardo a tua chegada: Uma estrela caída do mar do meu ventre… (1)
Da copa vem mais forte o cheiro a fritos, a chá de menta, há vozes que me apelam,
sorrio a todos, dizem que é Inverno, que hoje foi o Solstício de Inverno. Eu não sei dessas coisas, nem de tantas outras - são liturgias confusas em estrelas de cinco pontas.
Abrevio, na essência: Celebro o teu nome – chamei-te Salvador - e aguardo a tua chegada: Uma estrela caída do mar do meu ventre… (1)
"...Se adormeço tranquilo no teu seio, E perfuma-se a flor /
Que Deus abriu no peito do Poeta, gotejante de amor?"
(Álvares de Azevedo)
Que Deus abriu no peito do Poeta, gotejante de amor?"
(Álvares de Azevedo)
(1) existe uma lenda antiga que nos diz que as estrelas do mar são estrelas caídas do firmamento, "filhas" de uma estrela primitiva - a estrela da anunciação...