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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

sexta-feira, 31 de julho de 2009

In_continência!

Entre um compromisso e outro, quatro horas de espera.
Deambulo. Das Descobertas ao Parque das Nações. “Vasco da Gama”…

A viagem é, sem que o saiba, ao epicentro do verbo. In_continências; in_confidências…


Vem-me à memória a frase da contracapa de “No teu Deserto” …
É sempre no silêncio que mais me encontro e que me sobe febril a necessidade absoluta de “parir verbo”. Verborreia. A minha? Claro, é disso que falo. Dos demais apenas, porque deformada profissionalmente, observo. Analista social.

Entro no Gato Preto. Enquanto olho a traquitanada que já não me aconchega a alma, oiço-a. Desabafa mágoas com uma das empregadas. Olho-as de soslaio. Ambas. E sinto pena. Não dela, particularmente, mas que, de um modo generalista, assim seja. Que se sinta absoluta necessidade de que nos ouçam, a desprazer e a contra gosto, porque o “cliente tem sempe razão”, ainda que, como no caso, o assunto em contexto não caiba. E de quem, por outro lado, assim se expõe por lapidar certeza de que, em mais algum dia de sua vida, o estranho que está ao lado - ao caso a empregada -, o volte a olhar sequer, e deste modo se revele, esventrado nas suas mais nuas fragilidades… Chove-me o olhar. Retenho a chuva. Há muito que sou "deserto". Se chuva houver será de areia. E essa, meu amigo, decapa, como sabes, até a pele remota de um qualquer umbigo.
Divago, claro! Eu bem digo: crónica do absurdo.

Discretamente olho-as. Traço as linhas, as coordenadas. Os pontos absolutos de onde deferiam derivar todas as rectas. Linhas desta cidade, pelo Marquês, sabiamente projectada.

Remexo as almofadas. Em promoção, seduzem-me umas, entre o cetim e o veludo. Um fio de luz brilha. Dá-lhe toque suave. Decido, determinada, que as vou levar. Não que todo me façam falta. Mas porque me apetece numa época de crise ser do contra e gastar …
Eu, cronista do absurdo. Gastadora confessa....
Intimamente, sorrio. Não, não será só por isso. Mas também, devo confessar…
Aproximo-me resoluta. De ambas. Deliberadamente interrompo a conversa. Não permito quem, por frági,l assim se exponha, se não proteja. Vejo nos olhos de quem escutava um alivio singular: liberta, por fim…
Avanço:
- Gostaria de pagar, mas pf., guarda-mas até por volta das cinco horas. Tenho ainda um compromisso …
- Decerto… atendo já, desculpe…
Afasta-se a mulher. Saí. Instala-se-me a dúvida: Será que agi bem?? De nada tenho sempre certeza absoluta… desabafar não lhe faria falta? Mas ali????Inapropriado o lugar.
Como para se justificar, a empregada:
- Peço-lhe desculpa, não lhe ter dado atenção …
- Não se incomode. Percebi tudo. Não pude deixar de escutar a vossa conversa. Oiço demasiado bem. Demasiado bem… é como se tivesse em cada poro um ouvido…
Ri-se. Diz que então terei sexto sentido. Não confirmo nem desdigo. Pago, reservo e saio, com o meu “muitíssimo obrigada. Como lhe disse, voltarei então mais tarde …”

Deambulo de novo.
“Vitaminas”. Escolho o prato. Líquido que o calor aperta. Sufocam-me magotes de gente. O computador que nunca de mim se ausenta, mínimo, pesa-me agora mil e uma toneladas. Detesto-me por me carregar com absolutas banalidades: - agendas, blocos de notas, estojos de maquilhagem, escovas de cabelo e de dentes e sei lá mais quê, se nada, ou quase nada, desde que saio até que entro em casa, uso sequer...

Absurda. Eu!!! Absurdo o rumo…
O sol a pino. Procuro a esplanada. Cheia. Uma família levanta-se. O cavalheiro avista-me e oferece-me a mesa. Sorrio, avanço, aguardo, agradeço.

Sento-me predisposta a gastar ali os últimos cartuchos de uma manhã vazia de cheia. Ou talvez não…E vejo-os. Procuram, como eu há escassos minutos, uma mesa …
Olham-me. Nada dizem. Tímidos, deduzo…
Solícita, ofereço-lhes lugar. Avanço num sorriso cordial:
- Se para vós não for incómodo, para mim não é. Fiquem confortáveis pois.
Sem uma palavra sentam-se. Ambos à minha frente. Lado a lado. O McDonald’s no tabuleiro. O louro fugidio dos cabelos dela. As nuances da moda. As pulseiras, os anéis.
O telemóvel, último grito. De ambos. Sobre a mesa.
De preto ele. Vestido. Armani? Talvez... Contrafacão, porque não? Da Feira de Carcavelos ... Pode até ser...
Atento, discretamente. Relógio com vários cronómetros, a pele verdadeira na bracelete.
Tento maquinalmente, não aplicar a celebérrima “teoria do rótulo”, mas o caso é por demais evidente. Estes entram em catálogo directamente…

As vitaminas embaraçam-se-me em boca. Dificuldade de engolir sapos vivos ou mortos … verdes, de igual modo. Pegajosos...
Falam um com o outro. Sem contenção. In_continentes. Sem discrição. Sem...
E eu? Sei que nos últimos tempos emagreci realmente, mas será que para além de magra, estou de_veras transparente? Não me viram?
Não me ouvem?
Sequer no movimento arritmo dos talheres, no toque mais assanhado que faço propositadamente com a faca contra o prato? Terei de, num ataque de fúria, ranger os dentes??? Contra o copo!!! Contra o prato???
Cortar os vegetais a martelo e escopo???!!!É só o que falta. Basta!

contra factos, menina, não há argumentos” - relembro-me.
Falta de chá no berço, não entendes???
Se entendo. Se entendo.... Mas por mais esforço que faça, entedio-me como esta “gentalha” que se assim se insinua "gente", como se tivessem superiores capacidade e a mim, me fosse determinado, o dever de ser-lhes indiferente …
Eu a incomodada? Eu a que não devia estar ali! Captaram-me a atenção? Conseguiram, melhor? "... Ah, que pena ... É de outra geração."
E o raio de "porra" é que conseguem. Pela negativa. Mas sim. Captaram-me a atenção.

- ... as batatas estão carregadas de sal …
- ... esquece! Rega-as com Ketchup … (a loura...)
E logo no sorriso insinuado:
- Queres Ketchup?… vê lá ...
Ele embaraçado. Mudo. Por momentos. Curtos, contudo... Na verborreia incontido.
E ela? Sem rodeios! Carro a alta cilindrada, a vertiginosa velocidade, sem servofreio.
Fala do Salvador agora com ano e meio. Ele da namorada que já era. Do efeito dominó ...
- a família dela? ... os meus pais? Claro que não gostaram. Mas a vida é minha.!!! ...Trabalho? temos tempo, nem quero pensar nisso...
Ela do marido, viciado em jogos de computador.
- ...trinta anos, percebes? Não desliga… aquilo é vicio.
Trocam palavras entre dentes sobre as farpas que os atingem. Justificam-se. Um ao outro. Um no outro, in ...
Não a mim, como referi, transparente ...

Como se sentada no cinema, vejo a tela, o enredo, o esquema. O jogo todo. A vitamina não passa. Nauseia-me a verborreia. A falta de tacto e o desmerecimento. Mútuo. E aquele com que presenteiam os ausentes. Na verborreia incontinente do verbo…
Ela, a loura falsificada, insiste: … queres Ketchup??? A conversa prossegue a despudor... na palavra enrolada em maionese e mostarda. O sal bastante.

Guardo lentamente os meus pertences. Levanto o tabuleiro. O prato meio ainda. O Pavilhão Multiusos em frente.
Afinal aqui também há actores e peças. Puzzles de vidas incompletas...

Insuportável, o ambiente. Estou a ficar demasiado tensa.
Penso se lhe agradeça a companhia, se ignore e nada diga, ou se lhes sove a cara pérfida com luva de pelica, com um sonoro
“passem bem, tenham um excelente resto de dia. Evitam de me agradecer a mesa, a companhia...”.

Opto pela terceira. Já de pé. Olhou-os a ambos dextramente em olhos! No meio da testa. Sou dextra e nem sabia...
Solto a frase que me salta e pula urgente na garganta.
Sequer olho para trás, não quero ver o efeito, ouvir a não_resposta. O desconcerto, induzo.

Desta vez, arquivei o caso!
Rotulei e não me arrependi…
Afinal existe sim: Aplica-se muito bem aqui: Teoria do Rótulo... "Geração rasca".
Por falta de princípios, de valores. Íntimos e interiores. O dinheiro, comprovadamente, per si não nos traz nada.

O rio em frente.
Duas da tarde. Saco do portátil e, antes que a memória apague: escrevo … crónicas do absurdo. Absurda de mim, se me revelo aqui e não mais sou que palavra

"...no teu deserto"(1)
- “Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares demais, já não escreves, porque não te resta nada a dizer”…

… A caminho do segundo compromisso! Não falto a um compromisso. É ponto assente. O que assumo, assumi. Tudo o resto, deixo a cargo do destino.
O meu?
Ficou esta manhã traçado. A bisturi…

(1) Livro de Miguel Sousa Tavares

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...