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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Esta noite não escrevo ou "Carta ao Mar!"


Esta noite não te escrevo. Estou cansada!
Encosta o ouvido ao meu coração e ouve-o murmurar. Terás de estar muito atento, que fala moderadamente, numa cadência gemida e quase, quase, inaudível. Está esgotado também.

O Inverno - o teu e meu Inverno -, já se anuncia ou quiçá já se instalou. Sinto-o dentro de mim. Nas veias o sangue corre lento, plasmado, quase congelado. No rosto que me olha em moldura, na mesinha de cabeceira, não me reconheço… Sequer a forma de lua-cheia… está agora ovalizado. Sinto-me lentamente a definhar, a perder o viço, a cor. Empalideço. Da flor vermelha resta uma imagem a preto e branco… Sequer me espanto ou entristeço. Da vida, essa, sei-a, como um eterno recomeço. E em memórias enterneço.

Nota, não, não temo o tempo; é um estado lento, avançando de fora para o interior. Apenas me dói o cansaço de ver unissonância de olhares, olhares parados, baços, vítreos e quebradiços, andarilhos sem missão e objectivos, nas praças, nos supermercados.
Rostos que vagueiam solitários, sem sentido, e imaginar que o meu estará também a ficar assim. Sinto-os que não daqui, dali, ou sequer de algum lugar. Se perdidos, ninguém iria por eles indagar… Em última instância, fariam parte dos "anónimos mal parados". Decrépitos. (Des)créditos. E dou comigo a pensar que sequer algum dia foram ou serão seguidos pelo Homem do Fraque. Mercadoria sem valor de troca fiduciária …
Ei-los aqui: Resmas. Pilhas. Anónimos desembarcados em cais sem bilhete de voltar…
O rio ao lado.
No Colombo, no Vasco da Gama ... sob a capa e sob a égide de nossos heróis mareantes.

Também cansaço, sim, de ver outros, devassos, crápulas, que sem respeito me invadem. ... Se não me despem com o olhar, nojentos, roubam ou tentam roubar o que me resta de lucidez e me faz escrever linhas analépticas de palavras, estas em que me purgo da concupiscência com que me envolvem.
Esses, atípicos, quero ainda acreditar, ignoro-os. Sequer lhes atribuo-o condição de gente. Mas dói-me e cansada fico também ...

A este estado chama-se “tomada de consciência”.
Sabes, quando aqui se chega, a esta hora da vida, tomamos a pulso o destino, medem-se causas e efeitos, e até os nossos feitos, mais liminarmente, em medidas só nossas. Encontramos incorporalidades em ideologias e temporalidades nas direcções de voo. Somos quem somos e pouco nos importa o que de nós pensam os outros…

Neste tempo de “Inverno“, sou capaz de me copiar, replicar, duplicar, de me repetir nos meus cinco sentidos e para além deles ... Li algures que sendo cinco, nos dotam com dois pares de asas e meio – logo dando origem aos mais vastos desequilíbrios ...
De todo te garanto: não é o caso!
O destino foi, nesse aspecto, comigo, para além de generoso: dotou-me de seis... tenho um sexto e aguçado sentido, aquele que te pressente aí e aqui, coladinho a mim, neste peito a ouvir uma a uma as notas serenas com que te falo ...

Um sexto sentido que te vê a ler-me, noite a dentro, a imaginar o meu rosto, a recordar traço a traço, poro a poro todos os seus contornos e, na ausência, a imaginar as suas mais leves transformações...

Um sexto sentido que te sabe a imaginares, sorrindo, as matizes com que hoje os meus olhos se cobrem e te cobrem, num olhar que não mais te deixarei esquecer; a escutares as palavras que te disse antes de me conheceres. Antes, lá no Infinito dos Tempos...

Vejo-te agora, sim, nitidamente, a ti, semicerrando o olhar numa lágrima contida ... Afagas a tela, abres a tal pasta secreta, maximizas e aí, bem à tua frente está o olhar de quem te ama e te acalma. A voz, essa, a minha, está gravada nas mensagens imaginadas e nas outras, as que me retêm dentro de ti, brisa leve acordes de cello que me transforma de rosa amarela a simples flor desfolhada, pétala a pétala, sendo deste modo singelo, flor-cálice de mel e de cicuta.

O meu nome! Mastigas o meu nome, no desejo inatingível e real, mascas sem o libertar ... está aí para sempre, no sabor de um beijo que não me deste, e neste que te dou em cada consoante, em cada vogal, maresia e sal de nossa pele, meu amigo.

Hoje estou cansada ... não te escrevo.
... anda, encosta a cabeça bem no calor do meu peito, aninha-te, Mar, bem aqui sobre os meus seios, sem temores ou receios. Vesti das vagas o fato de espuma, perfumei de sândalo os meus cabelos. Ungi-me de lavanda e laivos de luar ...

Anda, Mar, que te estou a ouvir ronronar, gato em noite de lua cheia... Bebe o secreto néctar de minh‘alma.
Silêncio, agora: escuta. É apenas um coração a lacrimejar. Não mais que isso. Respeitosamente, ouve as palavras, as tais, as que te não disse e que imaginaste ... Exacto, essas, essas mesmas ...
Que te amo, antes da criação das águas, na espiral dos ventos, na restolhada das searas, nas águas mansas de tranquilos regatos, no piar das cotovias, no cantar alvoraçante de galos a madrugar, no silêncio de gotas de chuva depositadas nas rugas e nas pregas destas nespereiras ... Que te amo, de mil e uma maneiras, inventadas ou ‘inda por inventar, em todas as estações do ano, em todas formas e fragrâncias com que nos presenteia Geia ... e que, na urgência, anoiteço, apago o dia, salto a hora, em busca da radícula primeva da palavra, Via Láctea onde desenho em ecrãs de plasma o remanescente de cada estrela, que ao longo do meu dia fazem brilhar meu olhar:
- aqueles para quem trabalho e me fazem descobrir que aqui é meu lugar...
Por eles, sou Sereia, Mulher-palhaço, Fada, Menina, Contadora de Histórias ou seja lá o que for o nome que inventes para me baptizar.

Hoje não escrevo - estou cansada, sublinho.
Mas fica, fica aí. Descansa, meu Mar-Menino. Descansa, viajante, eremita, romeiro, peregrino. Encontra contra meus seios a plácida alvorada, e se, de cansada, finalmente dormitar, e se partires, sem me acordares, promete voltar... que te prometo igualmente, ter mil e uma história para te contar, noite e dia, dia e noite, seguidas, sem parar ... e tas contarei uma a uma, com todo o tempo do mundo, entrelaçadas em laços e laçadas, no ajour aberto de bainhas, no linho tecido em tear, neste modo de ser aprendido quando, noutra vida, fui fiandeira sem roca, moura embuçada ou ninfa secreta que avistaste difusa para além do alto-mar...

Do certo, e ao certo, quem sou, não sei. Sei apenas que de tudo farei para te pacificar.
Hoje não te escrevo... estou cansada.
Confesso... entre uma letra e outra, acho que afugentei o sono e o sonho tomou-lhe em posse o lugar ...

Tela:William Waterhouse
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Nota: Este texto fazia parte do meu 1º blog (homónimo) nas Comunidades e que já foi apagado há algum tempo. Tem ligeiras modificações, mas na essência é o mesmo.

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...