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JRLuis, artista circense, Circus AKademie Berlin |
… por vezes há que reconsiderar sobre os temas, chorar lágrimas corajosas, revisitar espaços e lugares onde a saudade é, tal como as nossas cabeças, não mais que uma ilha alagada de imagens; por vezes, o nosso corpo, último reduto da nossa individualidade, exposto fronteiriço ao lago, devolve-nos parecenças em que dificilmente reconhecemos paridade. e a dúvida instala-se e se transmuta numa caixa de pandora, que aberta, dificilmente se controla; e é da cobra o lugar dos céus, e é da ave a terra e a miragem. e chove dos olhos lágrimas de pedra, e os lábios são sementeiras roxas fendidas de palavras vindimadas, encimados por códigos de barras que nenhum photoshop apaga - estão e permanecem lá, ainda que não manifestos, abutres atentos sobre a matéria seca.
submissas aos desígnios das modas, damos mais um passo, Marias Antonietas a caminho do cadafalso,
“que morra, que morra”, gritam
uns quantos enquanto que, por dentro, na convicção do dever cumprido, se afirma
victoriosa a carne envelhecida, seca cavaca que nenhum lume ateia. e isso mata.
esconjuradas e renegadas, duvidamos da verdade, como duvidamos da mentira. somos aquela ou a outra? somos a que julgámos ser, ou a que que se travestiu por artes mágicas e, por iguais magias, apagou as rugas, retocou as curvas, vestiu a saia justa onde a mulher exacta não cabia mais? na nossa incapacidade própria de lidar com o tempo, perdemos a noção do real, extremamos os extremos, desviamos o desvio-padrão e, no limite dos limites, não ousamos ser, de quem somos, contemporâneos, viver agora e o já. projectamos o futuro num passado imaginado e, por fim, extra-temporais, renegamos o presente – são assim os dias nebulados de que me falava Victória ontem ao fim da tarde, quando me sentei com ela a beber os últimos raios de sol das Lezírias numa chávena de chocolate quente.
noutros dias, continuava, a memória dos momentos alvos, cada vez mais escassos quando o fim se aproxima, devolve-nos um universo de música audível de olhos cerrados, um mimetismo equilibrado como uma bola de cristal nas mãos de um artista - harmónica, sensorial, translúcida. desliza em afago de brisa a pele de que somos pele; toca-nos tão ao de leve num emaranhado de percepções e tempos sociais como aquele que a trouxe de novo aqui, menina. tão ao de leve, que, abençoados, tomamos então consciência de que, e na verdade, é o tempo escamoteado por nós que tece e cirze e alinhava uma teia finíssima de atalhos e nos permite revisitar quem fomos. é o tempo que, nos que gerámos em ventre de águas mansas, carne, linfa e sangue da nossa própria carne, nos leva à eternidade. e é, na profundidade de uns, que somos outros, singulares e plurais, presente, passado e futuro, como agora, entende? talvez sim, respondi a medo. entende? - repetiu. sim, Victória, sim...
esconjuradas e renegadas, duvidamos da verdade, como duvidamos da mentira. somos aquela ou a outra? somos a que julgámos ser, ou a que que se travestiu por artes mágicas e, por iguais magias, apagou as rugas, retocou as curvas, vestiu a saia justa onde a mulher exacta não cabia mais? na nossa incapacidade própria de lidar com o tempo, perdemos a noção do real, extremamos os extremos, desviamos o desvio-padrão e, no limite dos limites, não ousamos ser, de quem somos, contemporâneos, viver agora e o já. projectamos o futuro num passado imaginado e, por fim, extra-temporais, renegamos o presente – são assim os dias nebulados de que me falava Victória ontem ao fim da tarde, quando me sentei com ela a beber os últimos raios de sol das Lezírias numa chávena de chocolate quente.
noutros dias, continuava, a memória dos momentos alvos, cada vez mais escassos quando o fim se aproxima, devolve-nos um universo de música audível de olhos cerrados, um mimetismo equilibrado como uma bola de cristal nas mãos de um artista - harmónica, sensorial, translúcida. desliza em afago de brisa a pele de que somos pele; toca-nos tão ao de leve num emaranhado de percepções e tempos sociais como aquele que a trouxe de novo aqui, menina. tão ao de leve, que, abençoados, tomamos então consciência de que, e na verdade, é o tempo escamoteado por nós que tece e cirze e alinhava uma teia finíssima de atalhos e nos permite revisitar quem fomos. é o tempo que, nos que gerámos em ventre de águas mansas, carne, linfa e sangue da nossa própria carne, nos leva à eternidade. e é, na profundidade de uns, que somos outros, singulares e plurais, presente, passado e futuro, como agora, entende? talvez sim, respondi a medo. entende? - repetiu. sim, Victória, sim...
se este diálogo existiu? da
verdade e da mentira nada sabemos, sequer das razões que lhes comummente assistem.
permanecemos inconclusivos ainda que revisitemos amiúde Foucault,
em particular quando, e a
propósito da dúvida conceptual sobre a verdade ou a mentira, saibamos que terá
dito de forma categórica: “… a verdade? a verdade é uma mentira cozida
pelo tempo".
a acompanhar os meus pensamentos,
como se os lesse, julguei ouvir de Victória - “e sobre a mentira nada sabemos, de igual modo, menina. e essa é a nossa salvação maior.
suprema, direi, até …"
levantei-me. a tarde
tombava na campina. uma luz serenava-lhe o rosto: era tempo de voltar a casa…