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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Serena

Vinha de um lago surpreendido. uma breve aragem varria-lhe o ar desenhando o corpo - crisália bailarina no silêncio do papel. lentamente separava as águas; um ser de verbo surgia  acostado a derregar-se  de um umbral  invisível, de coração nas mãos,  disposto a resolver o enigma da semente guardada nas tranças do seu cabelo - um manto de cevada centeio e milho descido nu a descoberto do vento às ancas das colinas, ou, não sabia claramente dizer,  labareda a remar a noite dos pássaros sem abrigo.

Serena encheu o peito além da curvatura do rio, amaciou os olhos com a candura das grainhas da uva, o desidrato das vinhas a rebentar  diques em parras meninas -  a novidade de um tempo remoçado;  estava sentado no seu canto preferido, aquele donde um dia, jurava, descera a sua estrela;
chamou-o devagar, certa de um encalamento  preciso: atravessar os braços e as aposturas do navio ...  deu-lhe um nome, diminutivo - inverso ao tamanho do amor  que não lhe cabia na pele  nem na fundura das águas em que mergulhava. retida,  ninfa marinha, matriochka, camada sob camada.
infinita, nuclear, limpou a alma entre as margens de um tear vertical de tecer o tempo e logo a boca
inquieta
ávida
a cerzir o linho a estopa a seda. Serena borboleta,  efémera como todas as coisas, pousou a haste de ferro da sua âncora  na extremidade superior do rodízio da azenha, atravessou o pé da mó....
cruzou depois entre os dedos os bilros a  tocar as esperas;  das células mortas do seu casulo moldou a chama ao cantil do sonho donde voaram  todos os bichos da terra. soprou a semente, o sésamo;  inalou a menta, ralou a raiz do gengibre e a hortelã-pimenta. do almofariz  de bronze resgatou a canoa perdida no arrepio do ventre. no sopro do vidro a beber [lhe]o ar, e do sol, e  destes versos sem métrica, e da sua  própria exuberância,
e do excesso,  assombro de
não ser mais que um calor
indecifrável
a queimar-lhe as asas, 
e ainda assim,  repousado virgem  à flor de laranjeira,
viu-o reflectido nas rugas finas.  a sua barba de espuma e prata  - maquilhagem dos cumes e crosta das águas. disse-lhe do amor,
 De tudo o mais, diria ser, carne e poeira, perecível húmus, coalescente travessia. E vida.



"De montanhas e barcas nada sei./ Mas sei a trajectória de uma altura/ E certa fundura de águas
E há de me levar a ti uma das duas." Hilda Hilt


Imagem: Graça Loureiro

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...