Vinha de um lago surpreendido. uma breve aragem varria-lhe o ar desenhando o corpo - crisália bailarina no silêncio do papel. lentamente separava as águas; um ser de verbo surgia acostado a derregar-se de um umbral invisível, de coração nas mãos, disposto a resolver o enigma da semente guardada nas tranças do seu cabelo - um manto de cevada centeio e milho descido nu a descoberto do vento às ancas das colinas, ou, não sabia claramente dizer, labareda a remar a noite dos pássaros sem abrigo.
Serena encheu o peito além da curvatura do rio, amaciou os olhos com a candura das grainhas da uva, o desidrato das vinhas a rebentar diques em parras meninas - a novidade de um tempo remoçado; estava sentado no seu canto preferido, aquele donde um dia, jurava, descera a sua estrela;
chamou-o devagar, certa de um encalamento preciso: atravessar os braços e as aposturas do navio ... deu-lhe um nome, diminutivo - inverso ao tamanho do amor que não lhe cabia na pele nem na fundura das águas em que mergulhava. retida, ninfa marinha, matriochka, camada sob camada.
infinita, nuclear, limpou a alma entre as margens de um tear vertical de tecer o tempo e logo a boca
inquieta
ávida
a cerzir o linho a estopa a seda. Serena borboleta, efémera como todas as coisas, pousou a haste de ferro da sua âncora na extremidade superior do rodízio da azenha, atravessou o pé da mó....
cruzou depois entre os dedos os bilros a tocar as esperas; das células mortas do seu casulo moldou a chama ao cantil do sonho donde voaram todos os bichos da terra. soprou a semente, o sésamo; inalou a menta, ralou a raiz do gengibre e a hortelã-pimenta. do almofariz de bronze resgatou a canoa perdida no arrepio do ventre. no sopro do vidro a beber [lhe]o ar, e do sol, e destes versos sem métrica, e da sua própria exuberância,
e do excesso, assombro de não ser mais que um calor
indecifrável
a queimar-lhe as asas,
e ainda assim, repousado virgem à flor de laranjeira,
viu-o reflectido nas rugas finas. a sua barba de espuma e prata - maquilhagem dos cumes e crosta das águas. disse-lhe do amor,
De tudo o mais, diria ser, carne e poeira, perecível húmus, coalescente travessia. E vida.
"De montanhas e barcas nada sei./ Mas sei a trajectória de uma altura/ E certa fundura de águas
E há de me levar a ti uma das duas." Hilda Hilt
Imagem: Graça Loureiro
E há de me levar a ti uma das duas." Hilda Hilt
Imagem: Graça Loureiro