Sobre mim ...

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Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

imagino

ainda não te vejo,
cultivo, ad eternum,  "o amor dos cegos",
a paixão pelo interior, o íntimo, o crepúsculo das fragas
em que decaem os meus e os teus olhos, as vozes de Pégaso, o risco e o traço da ilha dos amores
onde a luz se estilhaça e  não cede, parca, ao penhor da rotina, e se multiplica, emancipada,  em cada fim de tarde, 
imagino [te]
Pégaso, o acurado  do trato,  infinito,  infinita constelação boreal em palco de  ardósias, as leituras,  a sinalética,  os códigos, a pesquisa das raízes onde despontam os sinos replicados em sons ciciosos de vento a tons de rosa-púrpura.  perguntas-me,  amor, que forma tem o vento? voa,  voa  livre, livre, quiçá, digo[te], voeja além das pálpebras, abafa a fala melódica dos cânticos natalícios - anuncia, qual estrela,  a vinda dos reis magos, o ouro, o incenso, a mirra. os cânticos natalícios, ’inda? inquires-me, em incredulidade nata,  sim, pois sim… recordo-me de tantos natais à deriva, sabes? e do cansaço?  sim, também,  por certo,  confirmo-te. perpetuam-se, entoam-se agora,  como ontem,  nos musgos e nos presépios da  minha aldeia, é meio-dia, meia-noite, não sei,  não sei, perdi-me do tempo no tempo  exacto de dois ponteiros sobrevidos (e no seu antónimo), a porfiar  novelos à roca de fiar horas  dias a fio,
sem sentido,
por instantes, em exegese sumária, recordo-me de um texto, de uma melodia, de uma  flauta de osso, de ser
inverno na estação dos pássaros
de uma asa, de um rasto (eu quase bicho)
de um concha,
e de um porto d'abrigo,  estrela a preceder[me]o acto.
.
.
.
ainda não te vejo, as borboletas soltam-se-me do estômago à boca, rodeiam-me os lábios numa dança tribal,  iniciática,  
as sílabas, as  palavras. soletro-te,
imagino
o teu corpo a tomar conta do meu, e, sem  que me impeça,  deixo-me levar na serenidade  das tuas águas - daquele que nasceu do rio, que me é dia-após-dia, chama e claridade. encolho-me, mínima (sabes-me assim, caprichosa. prepositiva, contudo.  talvez, indefesa, menina). sabes-me, mulher-amor-maior, ternura mansa e tenra na textura de tuas mãos rugosas, adivinhando serem, e me seres,  a fresca brisa, a água sacarina,  a bruma  leve que lava  e expurga o entulho dos calhaus rolados em alto mar, e se faz,  per si, dourada  areia cristalina
da orla marinha, imagino,
as tuas mãos nas minhas - de mãos dadas, mi-amada, não tenhas medo, dizes, haveremos de encontrar a chave de todos os cárceres, haveremos de recusar a solidão profunda dos acompanhados,
anuo - cada vontade tua é uma ordem, que acato, por vontade própria -  felicidade suprema de  ver  um sorriso a provir  na matiz celular dos teus  lábios, "o amor dos cegos”, a luz, a luz, o devir.
em êxtase
subo os meus olhos baixos, a ser-te semente terra e esteira e lavra - olho-te semeada na palma da tua alma.  olho-te,  já te vendo. sorris e sei-te decanto,  cintilação profusa, plena  e nutritiva, da nascente, sei-te,  limo, sargaço e verbo.  no princípio era o verbo - e o sol, bem sabes - no princípio era o sol - és o meu sol,   repito [te]...
aninho-me mansamente no sorriso de teus lábios,  o chão a não suster-nos de pé, eclosão do universo, a garganta da serpente, a lava, a seiva jorrante,  primeva.  oiço-te  rente ao peito, reconfortado. ecoo em ti:  na tua voz  o meu nome tem a textura de um corpo acabado de nascer. o veludo de um ventre de mulher.  a maciez de uma pétala. é quanto importa,
       "o que fazemos na vida ecoa na eternidade..."
emudeço, humedecem-me os olhos, que, cerrados,  não podes contemplar. sorrio-te, a sublinhar-te, indelével. irreplicável,
ainda não te chamo amor porque não sei sequer como haveria de se pronunciar… apenas sei de um espaço onde os teus ombros [me] foram aves,  magia, incenso, ouro e mirra, e que,  na nobreza e gesto dos reis magos,  se perpetuam, eco,  fulgor vivaz de sábia eternidade.
imagino...


Imagem: Vladimir Dunjic

Nota post scriptum : Flauta de osso
"Os mais antigos instrumentos existentes(...) feitos de ossos de rena (10.000 a.C.)..."

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...