Sobre mim ...

A minha foto
Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Era Inverno na estação dos pássaros!


“em volta da antiga torre… andei mais de mil anos”
(cântico ao Sol dos índios navajos)
cit. In “As pontes de Madison County” de Robert James Waller.


Jamais o telefone tocaria do outro lado. Olhava incessantemente o visor, vigiava o toque que, sabia, nunca adviria. O toque de mil caminhos cruzados a norte de si. O toque que se formara e fecundara em vítreo, sem que, contudo, dispusesse de útero macio para crescer. Morrera espartilhado entre a fenda labial e a palavra tolhida. Morrera antes de ser vida.
Recortava a água no cascalho lavado,

[…não sei como dizer-te que não te esqueci… que habitas a estação dos pássaros, das águas subaquáticas, dos limos e dos lodos, a sofreguidão dos lábios, os pulsos dos centeios e dos fenos… não sei, sabendo tanto, das funduras iniciáticas dos verdes campos quando ainda enverdecia o meu olhar em ti e o silêncio talhava o meu grito de fêmea no sangue exangue e desvanecido em eco. …não sei do branco dos girassóis nem sequer do amarelo das giestas (anverso inverso do teu retrato, do teu riso, do teu gosto…); não, não sei …]

deixava que apenas o lábio inferior tremesse ligeiramente, sinal de que a tempestade se formava agora, encruada em lágrimas de pedra e que, longinquamente, num lugar de sal e mar, de invasivo mar, num porto de mar, um homem, o único homem que amara em toda a sua vida, estaria, e também ele, preso a um toque que não tocava, a um gesto que ela mesma não tecia, porquanto, numa qualquer hora de um tempo em que o Sol madrugou a terra frígida, se tinham quebrado, irremediavelmente, todas as pontes que os aliavam. Todas as cumplicidades. Todas as intimidades. Ou quase todas…

[… não sei como dizer-te sem palavras de todas as noites imperfeitas, de todas as trevas, de todas as luas engolidas em abstractos fascínios de te contornar os olhos e os lábios em pós astrais de pele e dedos suados, de te enroscar nos trevos de quatro folhas, dos meus braços e pernas, num compasso síncrono de quatro por quatro, de deslizar no vento fermente e na forma de ser, batráquio, cobra, mulher …, ou leveza de pássaro. ... não, não sei dizer];

De novo o olhar se detinha no pequeno aparelho metalizado e de novo e uma vez mais, suspenso em suas mãos, vibrava sem vibrar. Compulsivamente. No tremor dos dedos, no agito dos pulsos, das veias comportadas. Como se das pradarias por si agricultadas em desertos, todas as flores, todos os pólenes, todas as borboletas e ínfimos insectos, murmurassem em uníssono o nome de quem a mantinha detida. Inominável nome.

[Longinquamente, numa flauta de osso de abutre, alguém ainda tocava uma estranha melodia. Por sobre a carne seca do que de si restava. Eram acordes celestinos de anjos em pousio, de duendes e druidas em espera de que, por sobre a planície das horas mortas se eclodisse Primavera… era Inverno na estação dos pássaros!]

Descalça, desnuda, desbrava lenta, caminhos de memória (tantas memórias), trauteando letras de poemas, cânticos de Sol, qual índia navaja. Repintava-se em telas e aguarelas dúcteis e serenas, revolteava em metafóricas, rimas e resmas de líricas que consumia, ébria, a cada final de tarde, por entre um trago de café bem forte e o vazio das enseadas: se não ninfa, sereia das falésias. Ou ilha, salinada ilha, donde não saíam barcos nem chegavam jangadas. Fundeava presa a uma bóia de chumbo.

[não sei como dizer-te desta coisa extraordinária, desta brisa que me invade os poros, que me lava os olhos em zimbórios de medo e espanto; e deste atrevimento; e deste poema branco que sou eu; e dos teus cânticos crepusculares e dos orgasmos dos sentimentos. não sei dizer-te, ainda, desta dança (heresia pura) em torno da fogueira, dos cheiros do sândalo e do incenso, desta luz que a noite em mim acende; da eira aberta onde se debulha o trigo; da plenitude bárbara desta baba branca que se escorre sobre o rio e que colapsa virgem em bagos de amoras tardias … e deste levante de tordos no turvo dos caminhos. o mar ao longe.]

Do oceano apático, adormecido, remanescentes memórias, minudências, diria, de actos e factos idos. De quando, em Paris, lhe mandara a mensagem: “ à Paris j'aime plus fort. …”. O trocadilho das letras, o azulecer dia na pista, o aparelho estanhado a aterrar e, já no ar, a ânsia de que, à chegada, senão ele, pelo menos as palavras dele, as suas palavras a pudessem abraçar. Ou, de quando, ele mesmo em rota, lhe enviara “da (…), um último beijo …”.

Jamais o telefone tocaria do outro lado. Era Inverno na estação dos pássaros!

“em volta da antiga torre… andei mais de mil anos”

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...