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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

terça-feira, 16 de junho de 2009

O Sonho de Deméter

Deméter, era vizinha de Antonino, a dois passos de Antonino, quase que lhe podia sentir o cheiro a lavanda.... Também ela era tímida, reservada, até mais do que isso, aparentemente congelada. Congelada por séculos de espera e de solidão.

Aí, um dia conheceu Antonino. De mansinho, percebeu que não estava mais só. Fora o olhar dele, um olhar queixume, foram os passos baloiçantes, leves, carregados de magia e de voos prometidos, ou apenas o som de batuques ao longe, não sabia!

Sabia apenas, que deste esse dia, se havia, para sempre, consagrado a ele. E, sem que ele soubesse ainda, lhe oferecera o seu olhar em forma de poema e com ele colocara estrelas no firmamento, guias, por onde um dia, igualmente sem saber, Antonino se haveria de projectar e viajar nas palavras.

Deméter não tentou impedir-lhe o voo!

Adorava vê-lo voar, asas abertas, num voo agitado, às vezes, acalmado outras, picado, noutras... Asas abertas, sem destino obrigatório, é certo.

Mas sabia que a todas as Primaveras, Antonino voltaria.
Voltaria para sorver o seu olhar maresia, o seu olhar poema. E com ele preencher telas infinitas de um amor maior que o espaço!

Da sua janela, vira Antonino a plantar pimenteiros nos passeios e percebeu. Então queria ele que provasse o picante-escaldante da vida? O picante da Paixão? Pois seria! Antes que a polícia chegasse e arrancasse um a um os pimenteiros, pela calada da noite apanhou as malaguetas coloridas de vermelho, macerou os frutos no mais fino azeite! Com este ópio se unge e se purifica, nas horas em que, sob a lua crescente, na magia das palavras, ambos se encontram e se amam perdidamente.

Deméter conhece-se-lhe todos os trilhos, todos os atalhos e isso faz dela a mais amada das mulheres!

Sim, também ela de amada passou a abandonada. Mas só fisicamente... Vive uma vida nova, sem incertezas. Tem as suas rotinas ... e, uma delas, é a de, todas as manhãs, procurar o seu Pólo, um cão que a acompanhou durante anos, fiel, e que a ajudou a manter acesa a esperança de vir a ser, um dia, apenas gente.

Deméter voa agora, suspensa nas asas do seu Anjo!

Recorda o tempo em que as asas estavam coladas ao corpo, como que incapazes de gerar afagos... Mas Antonino passou por perto e, como que por magia, o corpo estremeceu e o milagre da vida (uma nova vida) aconteceu. Deméter renasceu em Maio! E percebeu que uma ave a voar parada pode ser uma ave morta e não quis voltar.

Diz quem viu, que hoje, no céu estrelado da noite, voam dois pares de asas, tão, mas tão fundidas, que não se sabe onde começam umas e as outras acabam.

Deméter já não tem só sonhos. Vive o sonho!!!!

Sabe que a vida que vive agora, num voo supremo, é bem melhor que sonhar, aprisionada que estava num corpo de vidro fino!

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Conto originalmente publicado aqui

Nota:
  1. Démeter
  2. Antonino (inspirado no "conceito" de vias romanas ... caminhos ..."Itinerarium Antonini")

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...