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Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

rasgão de verbo

entre o casco e a água, a sombra. o infinito derradeiro onde as palavras não cabem; a tinta, camada sobre camada, cada vez mais espessa, cada vez mais densa, com que se pinta a certeza reflectida. a imagem inversa de cor  ferrete; o arpão que não arpoa;  a incapacidade de fuga - exalação em que se vaporiza tempo e sobra o nada.

nenhuma asa, nenhum voo, nenhuma viagem, a uma civilização perdida no sopé da montanha, se preconiza maior do que os cheiros das folhas dos abetos e das buganvílias que nos chegam decifrados no reponto da maré, entre a rasa e a cheia; do que o vai e vem contínuo, em que nos sabemos,  cadência de baloiços onde nos tomámos crianças na placidez dos lagos habitados de peixes vermelhos que  nos olhavam de olhos fora de orbitas, enciumados - o meu cabelo em chuva, fulvo e basto, solto no teu peito e o gesto incontrolado de te beijar a carne… moura dantes, prisioneira tua, num reino onde, amendoeiras em flor delimitavam raias; e destas, a cor pálida de  rosas,  de pétalas, desprendidas em absoluta dádiva, de meu regaço em tua boca…  e logo as chuvas. tropicais.

deslaço o olhar, até onde a vista alcança e mais além. a vaga volta. maré grande onde o mar se entorna. ficam submersos os bancos de corais onde a vida fervilha benevolente e sábia,  ininterrupta, de todas as cores, de todos os formatos, no ziguezaguear dos peixes, na inequação logarítmica; nas incógnitas irresolutas; na busca da função crescente, como um fio condutor de ousadia e coragem que se percorre líquido;  inverso ao rio de montanha em queda, rápido; como a cascata de ontem, cujo nome limon me rememorou o ácido contido no ventre do amarelo solar. e tudo abarco. e tudo é meu. e tudo teu, porque to ofereço…

daqui, a iminência da solidão contínua e este silencio imperturbado com a presença de meus pés. tudo ao redor, mar. oceano de confluências de águas. lápis-lazúli, igual de um olhar, e a pedra, a pedra de toque. o barco…lazúli, silicato de alumínio, sódio e cálcio sulfatado…

descalço-me, a nudez vem por acréscimo, na alma que se revela e no contraste.
é deste último que te falo, quando me elevo a outra dimensão no desamparo que me fustiga a partida e me instiga a ficar. são sempre enigmas estas obscuridades, tal como aquelas que se vislumbram em espaços submergidos onde a luz não brilha e a vaga se aquieta: embalam, esculpindo, as exaltações de minha alma; lentamente, deixo que olhar se aquiete, que as cortinas subam contemporâneas ao lugar, que as vagas sejam longínquas. por momentos são.

                                                depois voltam a varrer-me da popa à proa, instante a instante, sempre mais altas. sempre mais rudes e sou barco a adornar sem rumo ou norte. embarco-me. no sono que não chega, sonho-te; exacto, não temo a escassez do sonho, que o sei prenhe de cor. sequer temo a agonia ébria do acordar. basta-me um pouco de água doce e as polpas dos teus dedos - um conta gotas -, e a certeza de que os lábios saberão de esperar. volátil se torna a vida se não assim...

na polpa dos teus dedos a minha estrada; o tempo como areia, o vento que nos abraça e a pele - um traço,  rasgão de verbo e sal. e este mar …

***
Fotografia da autora.

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...