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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

terça-feira, 28 de junho de 2011

Helga ou a dictomia dos silêncios

não tenho silêncios. tenho vontade de não dizer palavras. é diferente, percebes?
as palavras existem, atravessam paredes, ombreiras, janelas. fazem-se verdes na fotossíntese das violetas africanas, mordem a boca das anémonas, rebentam, estertores, nos figos de capa rota,  no vime quebradiço e exaltado da cesta da cozinha, implorando, a cada sílaba,  a bênção do silêncio. existem mas permanecem no lugar exacto em que se geram filhos da demora - na barriga das pernas que coloco elevadas no parapeito da janela, para evitar varizes.
existem nos lençóis de linho branqueado dos meus dedos luarentos  que se invadem de todos os gestos quando me abraço a mim mesma com medo que, num qualquer dia, nem saiba mais como abraçar o mundo - pressinto  o perigo na tangente  e na bissectriz do ombro,  na picardia dos milhafres,  no quartilhar azeitonas, simples bagos. tão humildes, as palavras, quão humilde é a claridade filtrada pela porta entreaberta, desenhada fria  nos móveis da sala, no sofá de riscas lavrado a cornucópias.  a linha inglesa, bem sabes - dizem-nos também frios, distantes. polidos. como os móveis.  todos os contornos se esbatem. é já tarde,

falar-te de quê? dos mosaicos encardidos pelos meus passos enquanto espero que voltes? falar-te do prato requentado que te sirvo porque, inevitavelmente,  te desencontras do acerto dos ponteiros dos relógios, te empecilhas na estrada errada, onde, para minha frustração, houve sempre um congestionamento, um acidente, uma manifestação, um
sei lá,
tanto faz. tanto faz,
entendes?
  não tenho silêncios. tenho o colapso da memória, o bloqueio criativo. já não me inspiro na força das buganvílias, trepadeiras nictagináceas, capazes de rasgar o ventre do cimento, nem sequer na mansidão das folhas no fim da tarde,  no soprar das sombras, dos fantasmas, para o buraco escuro a que pertencem. há no meu silêncio a fenda funda da muralha, a garganta dos antípodas, os tons sanguinolentos da rosa púrpura, a folhagem substantiva
o recobro da nudez 
de uma deusa antiga da mitologia grega, hercúlea,  determinista, que tomou em mãos as rédeas e saiu de si a lavrar o campo chão de abóboras sem receio que, semeando silêncios consentidos venha a colher ventos maiores de ambiguidades.

desdobras o jornal e lês
"uma mulher, necrófaga, arrancou o próprio coração,  dependurou-o por cima da porta a espantar os abutres, não sem antes ter dito aos sete-ventos que não era seu, que o tinha dado de presente a uma nuvem. que amava. que o amor era o uivo da hiena na boca larga do universo. por isso lhe choviam os olhos e se enterrou viva numa panela de não-ditos e  provérbios. e por ali ficou, a debulhar silêncios como ervilhas cruas, dicotómica. e por ali,  na coluna ao lado, se  anunciou  nua da pele da noite e já manhã -  vontade de ser sombra a proteger o recorte salmourado dos lábios..." 

returcas: os jornais só dizem barbaridades. saltas a página, depois outra,
passas para a economia.

               ainda dizes, o silêncio é de oiro, de prata a palavra, a laranja ao meio-dia, que à janta mata? 


 Imagem da net

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...