não se anda sobre a terra como se ela não
tivesse história e outros pés antes de nós não a tivessem calcorreado. não se
anda. ou pelo menos eu não ando. foram os elementos da sua composição primitiva,
acanhados, soltos ou grosseiros, que lhe afectaram o comportamento e o progresso
das estirpes. foram. e o dos povoados, e, por conseguinte, a forma como a habitámos. ou
nos habitam.
cada grão de areia, cada pedra, cada
musgo, cada milímetro de chão inóspito e exposto ao desaconchego das raízes,
conta a história destes - uma história de abandonos. às páginas tantas de um
qualquer dia, alguém se foi, partiu e não olhou mais para trás. ou porque a
morte lhe trocou as voltas ou porque o apelo de outra vida, melhor, maior ou
mais cheia, se sobrepôs à vontade de ficar. depois, a manchar a paisagem, ficaram
as ruínas, os escombros, as árvores sem podas, mal esgueiradas e bravias, os
bravo de esmolfe de que tanto gostavas, ressequidos, o tanque da rega talhado
numa só pedra a poder de braços, revestido a verdete pastoso, os frutos
persistentes que, ainda assim, a destrato, vão nascendo e caindo podres para que
a semente brote de novo. e os silvados a recobrir lugares de afectos. e a
degradação a dar conta de telhados, coberturas, alicerces. todo um espólio de
recursos ou riquezas, um património irrecuperável a desarticular-se aos poucos.
ou subitamente. depois um vazio. um espaço em branco em que tudo pode ser de novo.
uma casa térrea, um arranha-céus, uma família, um texto sobre a folha em
branco, um livro comum, um best-seller.
afasto o moutedo o mais possível em busca
de um palmo de terra livre para firmar os pés ciente de que, uma vez caída, é e
será sempre, com a ajuda do chão que me levanto.
um raio de sol trespassa a neblina fria da manhã. aponta para um ângulo indefinido onde uma árvore se desenvolveu em contraponto ao descampado do lugar. solitária. uma semente a jorrar do ventre da terra. a tal semente. sobre os pés, uma voz de silvas eleva-se a retalhar o silêncio. zumbe em círculos, anéis à volta das ancas a travar o passo. anéis de silêncio ao redor de um umbigo. se se pudessem contar num método científico similar à dendrocronologia haver-se-ia de determinar que a minha idade real é de mais de mil anos e alguns deles bem espessos, quase opacos – sabido é que as árvores crescem mais no período de chuvas e nas épocas mais quentes e que de zonas “mornas” não se fez o meu viver. tudo foi sempre oito ou oitenta. a minha história, a minha vida, têm camadas de silêncio.
um raio de sol trespassa a neblina fria da manhã. aponta para um ângulo indefinido onde uma árvore se desenvolveu em contraponto ao descampado do lugar. solitária. uma semente a jorrar do ventre da terra. a tal semente. sobre os pés, uma voz de silvas eleva-se a retalhar o silêncio. zumbe em círculos, anéis à volta das ancas a travar o passo. anéis de silêncio ao redor de um umbigo. se se pudessem contar num método científico similar à dendrocronologia haver-se-ia de determinar que a minha idade real é de mais de mil anos e alguns deles bem espessos, quase opacos – sabido é que as árvores crescem mais no período de chuvas e nas épocas mais quentes e que de zonas “mornas” não se fez o meu viver. tudo foi sempre oito ou oitenta. a minha história, a minha vida, têm camadas de silêncio.
afasto-o uma e outra vez. as mãos
desprotegidas retalham-se na imprudência do gesto. ainda assim, indiferente à
dor, persisto. persisto em busca de um não sei quê, de um não sei quanto, da
ancestralidade transmitida de geração em geração, soma de todas as vidas
vividas a conjugar o verbo na sua forma mais imperfeita – é ai que resido. no
pó da memória de que se alimentam as raízes. e nos laços de sangue.
(imagem da net)