"Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um..." - Eugénio de Andrade
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um..." - Eugénio de Andrade
perco-me
no labirinto dos sentidos. no sentido fungiforme das multidões proliferantes em paredes brancas.
o olhar dança no contorno perfumado das palavras
nos tons da tinta
da tinta preta que se agita. dizem que sou o tempo. quanto a mim, nunca soube quem sou. “todos os dias um dia“, disse-te, quando dizes-te , “… pode ser que a gente se veja amanhã” …
vim. a praceta está deserta. como naquele dia. uma laranja ácida tomba dulcíssima da laranjeira. meia laranja se esborracha no alcatrão. dois gatos em telhados de zinco brincam em ritos de acasalamento.
o cenário perfeito. baile de máscaras. ópera. bailadado.
dois cines no lago
de nenúfares.
remexo-me na cadeira de ferro
- o frio gela as ancas e os quadris.
o corpo avulta para além das fronteiras geométricas, vielas a que chamaram formas. espaços, hangares negrumes, plataformas informes onde gravitam intocáveis castas hindus. castros antigos. citânias dispersas em nevrologias parcas. em necrologias de páginas sépticas no cepticismo
que me toma.
a bola vermelha contorna o tema. o poema era.
o poema é
'inda
néctar. ainda é … “planura de utopias”. um mar, uma maré, uma ilha. um barco que parte no azul contraste do infinito. “na praia onde esperei por ti, as ondas subiram e, afogada, morri” …
volto ao poema.
ela ali.
desfolhava o tempo
em vitrais de que lia apenas as parangonas (assim parecia, quem podia ter a certeza, se ninguém sabia a profundeza das águas nem sequer das vagas em que se emulava em anéis de lava).
sabes … entre a multidão, o tempo. Kronos.
incógnito, deixa registos de gastura e de secura no sangue a pulsar artérias e veias. adelgaça-se a pele, contraditória, num registo de eternas luas cheias ocultas por sob poros em congruência.
remexo-me agora
a cadeira tem pés contundidos
e a curvatura das horas amolece-me os olhos de cansaço.
enrolo-me embrionária e de novo, a espaços,
volto à postura erecta.
e de novo te procuro, tal réptil, em todos os lugares inquietadores em que a tua mente se esconde e onde a minha ousa avançar:
- traças arrebatadas e inusitadas tramas e esperas que chegue. aí, sem dó ou piedade, és a noite: avanças, sugas-me em isometrias de uma forma vampírica e, “numa boca descarnada de dentes“. sem que exista sentido neste jogo, deixo que me aspires e que me faças tua presa (se de ti estou presa há tanto tempo…) noite! noite da minha vida, inverso da luz, lugar provável onde reside a alma.
- traças arrebatadas e inusitadas tramas e esperas que chegue. aí, sem dó ou piedade, és a noite: avanças, sugas-me em isometrias de uma forma vampírica e, “numa boca descarnada de dentes“. sem que exista sentido neste jogo, deixo que me aspires e que me faças tua presa (se de ti estou presa há tanto tempo…) noite! noite da minha vida, inverso da luz, lugar provável onde reside a alma.
entras
pela janela dos meus olhos, deslizas sob a epiderme dos sentidos. enrosco-me em ti, dramática e, felina, agradeço a tua visita, a cada vinda.
refloreço em orgasmos inveterados de palavras. em epigramas e anáforas…
pela janela dos meus olhos, deslizas sob a epiderme dos sentidos. enrosco-me em ti, dramática e, felina, agradeço a tua visita, a cada vinda.
refloreço em orgasmos inveterados de palavras. em epigramas e anáforas…
"Devias estar aqui rente aos meus lábios”…
lentamente
deixo que me penetres todos os sentidos.
código de barras impresso na parede, dou-me a ti, neste altar de frutos e de flores e espero que me conduzas ao teu mundo…
código de barras impresso na parede, dou-me a ti, neste altar de frutos e de flores e espero que me conduzas ao teu mundo…
" ...para dividir contigo esta amargura"
quando a manhã chega, sob os lençóis freáticos da alvorada, encontra duas sombras imprecisas e, no vale onde me habitas, um cheiro a cânfora, a rosas e a sândalo...
duas gotas de sangue escrevem o horizonte. à boca da bica, na bica do abismo. ciclópicas gotas.
o perfume da noite, ou nada!
Fotografia: Valter Patrial Junior