Sobre mim ...

A minha foto
Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

domingo, 11 de janeiro de 2009

todos os dias um dia




"Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um..."
- Eugénio de Andrade


perco-me
no labirinto dos sentidos. no sentido fungiforme das multidões proliferantes em paredes brancas.
o olhar dança no contorno perfumado das palavras
nos tons da tinta
da tinta preta que se agita. dizem que sou o tempo. quanto a mim, nunca soube quem sou. “todos os dias um dia“, disse-te, quando dizes-te , “… pode ser que a gente se veja amanhã”

vim. a praceta está deserta. como naquele dia. uma laranja ácida tomba dulcíssima da laranjeira. meia laranja se esborracha no alcatrão. dois gatos em telhados de zinco brincam em ritos de acasalamento.
o cenário perfeito. baile de máscaras. ópera. bailadado.
dois cines no lago
de nenúfares.

remexo-me na cadeira de ferro
- o frio gela as ancas e os quadris.
o corpo avulta para além das fronteiras geométricas, vielas a que chamaram formas. espaços, hangares negrumes, plataformas informes onde gravitam intocáveis castas hindus. castros antigos. citânias dispersas em nevrologias parcas. em necrologias de páginas sépticas no cepticismo
que me toma.

a bola vermelha contorna o tema. o poema era.
o poema é
'inda
néctar. ainda é … “planura de utopias”. um mar, uma maré, uma ilha. um barco que parte no azul contraste do infinito. “na praia onde esperei por ti, as ondas subiram e, afogada, morri”

volto ao poema.

ela ali.
desfolhava o tempo
em vitrais de que lia apenas as parangonas (assim parecia, quem podia ter a certeza, se ninguém sabia a profundeza das águas nem sequer das vagas em que se emulava em anéis de lava).

sabes … entre a multidão, o tempo. Kronos.
incógnito, deixa registos de gastura e de secura no sangue a pulsar artérias e veias. adelgaça-se a pele, contraditória, num registo de eternas luas cheias ocultas por sob poros em congruência.

remexo-me agora
a cadeira tem pés contundidos
e a curvatura das horas amolece-me os olhos de cansaço.
enrolo-me embrionária e de novo, a espaços,
volto à postura erecta.
e de novo te procuro, tal réptil, em todos os lugares inquietadores em que a tua mente se esconde e onde a minha ousa avançar:
- traças arrebatadas e inusitadas tramas e esperas que chegue. aí, sem dó ou piedade, és a noite: avanças, sugas-me em isometrias de uma forma vampírica e, “numa boca descarnada de dentes“. sem que exista sentido neste jogo, deixo que me aspires e que me faças tua presa (se de ti estou presa há tanto tempo…) noite! noite da minha vida, inverso da luz, lugar provável onde reside a alma.
entras
pela janela dos meus olhos, deslizas sob a epiderme dos sentidos. enrosco-me em ti, dramática e, felina, agradeço a tua visita, a cada vinda.
refloreço em orgasmos inveterados de palavras. em epigramas e anáforas…

"Devias estar aqui rente aos meus lábios”…
lentamente
deixo que me penetres todos os sentidos.
código de barras impresso na parede, dou-me a ti, neste altar de frutos e de flores e espero que me conduzas ao teu mundo…

" ...para dividir contigo esta amargura"

quando a manhã chega, sob os lençóis freáticos da alvorada, encontra duas sombras imprecisas e, no vale onde me habitas, um cheiro a cânfora, a rosas e a sândalo...

duas gotas de sangue escrevem o horizonte. à boca da bica, na bica do abismo. ciclópicas gotas.
o perfume da noite, ou nada!


“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...