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Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Luar de pedra

Ah, este luar de pedra em que me deito
E adormeço. Quadratura do circulo.
Verbo
que me atazana o génio,
espírito, a alma, sem que reste dela, um centímetro que se seja, uma parte infinitésima, onde não se alberguem as memórias que, desejando não esqueço e do que, querendo esquecer, me lembro. Sempre.
O sangue, o sangue a escorrer-me quente pelas pernas. Aquele lugar a que chamavam de cama para dar à luz…
As pernas
,
soltas
vacilantes
contra
o metal erguido. A lágrima, a boca seca. O grito… O grito…


nãoooooooooooooo…
... depois, o nada. O vazio do ventre, o vento
a desmoronar muralhas de sal, no gume da água. De chumbo, o céu...
Era então Setembro.

Sentou-se ao meu redor. Como se fosse eu o espelho, a chuva que bebia, sede de ser.
Por um instante que seja
Gente
ou bicho,
não me disse. Fiz por não distinguir. Trazia o verde da noite por dormir empalidecido no cinzento do vestido. Elegantérrima. Altiva. Um corte antigo, num revivalismo incontornável. Revivida do que fora, dizia. Ou do que seria, insistia eu em dizer-lhe: - Olga, é uma bela mulher… Tanto ainda por viver...
Sequer me deixava continuar. Num sinal ríspido de dedo erguido, por sobre os lábios, um
“chiu, não me diga nada, deixe-me continuar”…
Deixava. Era dela a palavra:

…Ontem num programa de televisão ouvi dizer que as perdas resfriam os afectos. As imagens a condizer, o olhar daquelas mulheres, negras de tudo, até de esperança. Os filhos perdidos, no antes, no já, nos nascimentos. Nados-mortos. Como os afectos que encolhem como moluscos em risco por saberem da improbabilidade de os ter. Um beijo que seja quando a tarde, de cansada, tomba no rio ao fundo e a luz se esconde, luar de pedra, por vergonha de iluminar o que as mulheres, como eu, se negam a ver.
A luz envergonhada…
Ou, como hoje, quando amanheci saudade.
A beleza é, tantas e tantas vezes, um empecilho. Impede que se veja que por dentro da cara que se mostra, do corpo que transporta a alma (e que “se usa”) existe a força maior da Natureza. Capaz de parir vida. De dar sentido à vida.
O beijo gela nos lábios.
Os braços toneladas que não sobem nem por força de guindaste.
E as vontades de entrega e de partilha são gaivotas que fogem e se albergam em grutas cada dia mais recônditas de uma ilha que não existe em mapa, em carta de marear. Ficam longínquos os sons dos barcos, os ventos nas copas, o vibrato dos anjos celestiais, a melodia de uma qualquer poesia, por maior. O sol não tem sobre nós qualquer poder. As perdas, as ausências, resfriam, irremediavelmente os afectos.
Perdemos nós e o mundo ou o mundo se perde por via de nós,
não sei…

Ia começar a falar-lhe.
Em rigor não sabia que iria dizer-lhe... Até aquele instante, sobre as minhas as mãos agitadas de Olga. Não as sentia mais. Como se, repentinamente, nunca ali tivesse estado. Assustada perante tão remota possibilidade, tentei o abraço, o contacto peito a peito… os meus gestos, como os dela, os de que me falara antes, apenas abraçaram o vazio. Ninguém ali. De encontro à fraga do Senhor da Boa Morte, apenas eu. E minha sombra projectada na claridade da tarde. Esquisso ou marca d’água... degrau incrustado na serra que, de cansada, se não desce, nem sobe.

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...