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Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

não fora as estrelas

não fora as estrelas
e os dedos adormeciam sob a pele.

rasgam-se os dias - ermidas ou santuários - onde, a cada instante, numa remota (in)possibilidade se erguem do chão de pedra fria, sulfuretos de águas termais. esboçam os dedos as vontades, os sorrisos de frescura, os lençóis lavados onde nunca se deitaram os corpos. e advêm de lá de dentro as vozes, na maciez da pedra, ledda de amores, em diálogos improváveis, achados virgens na doméstica indemne dos sentidos. demora-se em nós a fonte, a lírica matricial da água, de amante-amigo, se nos tardamos, corvos na noite, aquém da serra, ou albatrozes divididos, sem leme, na linha do mar…

não fora as estrelas
matrizes entre o profano e o litúrgico
e não nos restaria sequer o cheiro empapado na poeira, um ocre mate de tílias e de rosas, quando a noite remota de bem longe e volta à nossa beira
solitária.

não fora as estrelas
velidas e alvas, como moçoilas (in)versas das trigueiras, em baloiços de vento e não te diria desta perturbação, deste gesto que negando ao mundo te ofereço implícito no poema que construo vazio e branco por dentro.

não fora as estrelas
e este clima marítimo,
a beira-mar do tempo, que nos agrega e salga a alma, não traria, desejando, um navio em cada movimentação de água. sequer as fainas das gaivotas, aqui, ao rés do rio, neste balcão onde me sento, seriam, tal qual são, desta forma: intempestivas de tão nervosas. ratos de ar, diz quem sabe. oportunistas, preguiçosas. por não se dedicarem a pescar … como é de sua natureza própria. para além de que propagam moléstias e maleitas de ordem vária.
mas que me importa, se a cada voo picado por dentro do meu prato de batatas, residuais batatas fritas, que não como, em desperdício, enchem o meu mundo de chilreios, de trinados coloridos? se, na asa escarpa que sobe agora me elevo e me alteio e, de lá do cimo trago
flocos de algodão doce
e flores
briosas
com que te enfeito os cabelos, no branco que se adivinha, no adiantado da hora?

não fora as estrelas
e este meu impulso descontrolado, este impulso afectivo de as guardar em peito, arrecadadas em formas circulares de grinaldas e diademas para com elas engalanar as cordas e as barcaças… e seria
folha solta
noz quebrada
no deslizar de verbo. tão frágil, tão pardacenta, rente à pedra,
rente à água, fortuita, ora pela ribeira do tejo ora na embocadura do mar de vigo, onde o frio é mais frio
mais intenso, na forma vacilante e lenta, lendo de joan zorro, uma a uma, todas as cantigas de amigo. leio-te esta
“pela ribeira do rio salido/trebelhei, madre, com meu amigo//amor migo/que non houvesse/fiz por amigo/que nos fezesse…”

não fora as estrelas…, não fora...

***
fotos: Mel de Carvalho, Parque das Nações

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...