Sobre mim ...

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Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sim, eu sei... amanhece agora

“Sim, sei bem/(...)
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,

Enquanto dura esta hora,/
Este luar, estes ramos,

Esta paz em que estamos,/Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.”
Fernando Pessoa


Sim, bem sei, sei de tanto e tanto mais
do quase tudo, do etéreo, do volátil, da precariedade do tempo, do tempo que a cada letra se esgota numa ampulheta contínua.
contudo
deixa que confie sem confiar em demasia, neste encapelar de asas que acalentam as minhas
dores
nas palavras
subliminares que enroscas tíbio, vacilante, verbo, poema que escrevo e me inscreve, no papiro de um Kronos, algo desatento,
ao meu redor quando
o sangue
não sobe a montanha, o monte do Senhor da Boa Morte,
sequer
a árvore secular da vida e, a desconcerto, se perde na pele rota de uma mente estiolada
se esvai por todos os canais de rega em regadio na planície
de sequeiro
de um rio que é
já mar. oceano de que não distingo o tinto: azul-cobalto, azul-celeste, que tem cor marítima, de tom escuro, pouco diverso do índigo....
ou se reveste de, em fases sucedâneas de
soluções concentradas dos sais de cobalto ou de trilhos pontiagudos, asteróides e de estrelas: azul-ferrete? não por esta ordem, está claro, mas de acordo com a de uma paleta que se imiscua e se diz(tinta)
negra
quando um navio carregado de nafta explode, no excesso de carga, nos braços de um poeta e as aves sem forças, anímicas, ou outras, ficam presas num voo sem pressas…delongam-se os dias, nos bicos com que escrevem riscos na tela aberta de um horizonte - nardos ou cardos silvestres ou ainda, e porque não, na mão que se oculta em ramos de violetas. no vime dos cestos, nos açafates, nos sonhos…

deixa que te acredite na preservação da natureza
das coisas insondáveis
e das outras – as reservas naturais, as zonas húmidas e extensas, os sapais, para que, juntos possamos olhar a cada dia que amanhece
e nos amanhece o olhar
a avifaúna aquática
a migração dos pássaros, os mamíferos, os répteis, os anfíbios.
A nidificação das espécies. o barro dos corpos e dos ninhos esconsos por entre os caniçais, nas morraças… na gramata, na salgadeira e na flora fina dos abraços desta Lezíria …

tudo passa, sabes? tudo passa “enquanto dura esta hora”
porquanto, em comprazimento, se aprofundam mouchões no umbigo de Géia, estremecem por sob a ponte as falhas tectónicas e o mar, o mar da da palha se entorna largo, largo
no lago de um olhar
se, num abandono se comprazem
por nós, as orlas ribeirinhas e as margens que a vista já não alcança e donde, aljazares do Tejo, plataformas verdes, sementeiras de arroz, me acenam nas largadas de pássaros pernaltas ou, quando ainda, em segredo de vidro estilhaçado os oiço, no levante dos restolhos, p’la noite adentro. sibilam pedras na encosta, meu amigo nos tons de um fado… vadio fado. vadia a memória dos ecossistemas do estuário. estuarinas sejam, enquanto esta hora dura, enquanto o ar se perfuma branco “in vítreo”
nas giestas
retintas a papoilas
e as castanhas cheiram ao frio e às apanhas e nos aquecem a palma aberta da mão - é tempo de castanhas, sabias?? - enquanto
de lá do fundo vier o cheiro do vinho novo a fermentar nos pipos, a relembrar-me da importância
do sector primário e agrícola
e aqui, a chuva miudinha emporcalhar os vidros que a Salomé lavou ainda há pouco e eu permanecer sem nada que me fixe à terra que me viu nascer a não ser
esta vontade de me enlaçar fio a fio no tecido de um tear antigo, manta de organza e estopa…

***
Autor da foto: Armando F. Sousa

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...