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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

No nome infinito desta mão


"Que quer dizer um ano, ou um mês? Que a minha mão não está no teu cabelo - nem tê-lo é ter de vez." - Pedro Tamen

Ao bater das horas certas, um ponteiro sobre o outro, sem desvio, colocou o pano no bastidor. Esticou quanto pode, até sentir que rangia. Olhou-o, ainda virgem de suas mãos, do seu toque. Abraçou-o contra o peito, os olhos a vencerem as ramadas que ocultam a janela, os sinos dentro de si a palpitar as horas, a rolar silêncios ásperos. Venceu o espaço. A chuva lavava terrenos, a planície era imensa, como convém sejam todas planícies, e claras todas as clareiras - de muros bastos as cidades feitas. E os sonhos agrilhoados.
Queria inteiro o tempo tornado breve, no vagar dos elementos limpos, das águas descidas das caleiras. Formulou os votos, descansou o olhar, em procura. Havia um campo selvagem a cavalgar-lhe os pulsos em bestas de memória; um laço verde que se esfarripava no surro dos dias-passas. Um fio apenas.
Por isso, talvez por isso, tanto queria a paz daquele lugar inventado - reminiscência saudável de um outro, de vento e lavra, donde, sempre que partia, lhe chegavam, em código morse, amiúde, cantos das cotovias acolhidas nas pernadas mais altas das suas romanzeiras, a par dos cheiros ocres das tardes de meninice, texturas de magnólia.
Saudades dos cheiros fortes, do calor do estrume fermentado na ponta da forquilha por onde se escapuliam minhocas atentas ao falar das nascentes, de que bebiam a última gota, imaginando-a igual à salgada água do mar - ingenuidade de quem nunca saiu de um lugar... E ela, ali, de joelhos já feridos, salvando-as para dentro de uma caixa de fósforos, uma a uma, falando-lhes de oceanos azulados, de feitiços, de brumas, menina do mar,
a crescer nas falas dos gestos
de ninguém,
nascida da solidão dos dias primos, incontáveis bagos de uma romã.
Lá fora, purpurinas, estrelícias luminosas, relampejavam a boca da noite, num vaivém poético, em abolição do vento frio.
Na maravilha plástica das coisas, em ânsia de ser-se, apegou-se da cesta quebradiça de tantos Natais encabados, à deriva, num barco de luar, e, no matiz das linhas multicores, sem desenho determinado, deixou que a agulha perfurasse, pela primeira vez, o espaço circular.

Uma vaga de cristal, um brilho indestrutível, fulgiu da agulha. Sem pretensões, começou a percorrer a larga madrugada onde imaginava que o sol haveria de renascer colado à parede da casa lisa. Sem fúrias, sem mágoas, de tudo quanto, adormecido era promessa,
um sol de vinho a macerar-lhe os passos.

Roçou-lhe lentamente a pele dos lábios,
bordou um rio, uma ponte, um estrela de David; bordou um sorriso,
tímido. Cresceu um palmo
já não cabia na concha,
a mão solta do bastidor, subiu-lhe o rosto - na palma aberta, linha a linha, no nome infinito,
ouviu-se, íntima, reescrita ao apelo primitivo das raízes. Gritou silêncio aos bichos da terra e do mar, ao tojo bravio, à libélula, à cotovia, à lagarta,
gritou, rodopiou o bastidor, um arco-íris largo,
a valsa
ao ritmo sereno das coxas - Danúbio Azul,
é urgente que renasça, que se repita, a verdade das palavras. Foi, noite e dia, e dia e noite, repetida - vestiu os olhos de lagos - era dia de Reis,
Mago,
colocou-lhe uma coroa de tojo, fê-la sua fêmea, fê-la sua mulher. E partiu.

Na solidão dos lábios estão todas as palavras por dizer.

(Foto da autora)

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...