Sobre mim ...

A minha foto
Lisboa / V.F. Xira / Peniche, Estremadura, Ribatejo ..., Portugal
(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

sábado, 1 de maio de 2010

queria ter bebido a desordem de teus olhos.


queria ter bebido a desordem de teus olhos, devagar,
e os silêncios dos teus gritos
em cada tarde a termo, de cada termo tardio, quando, no [des]verso de ti, me olhas e não me vês - transpareço -, e te iludes sem iludir. quando apregoas aos sete ventos verdades encruadas de mentiras; quando forjas um pódio sem tíbias, operetas vespertinas sem palanques, no lastro das tuas mágoas para te puderes instalar; e não careces, não precisas. ao meu olhar, sobressaiam intrínsecas, todas as índoles que, porque imperfeitas, nasci para complementarizar. entre nós corre o rio das coisas inacabadas, capelas defectivas, em que, a real  beleza está no azul do céu que as tinge ao reclinar-se, lépido e basto, de tão experimentado, adjacente à pedra basáltica em forma abrupta
há um sorriso nos meus lábios
e
uma imobilidade no gesto, um desacerto de acto, um pano que não sobe, uma deixa que já esqueço, ou talvez nunca a tenha entendido sequer. e um ponto ausente… dizem: “o problema é esquecer”
depois, existem sempre, os síndromes dos ponteiros dos relógios. por mais que os estudes, na verdade não passas, e eu não passo, não passamos em suma, de relojoeiros a quem o universo, ele mesmo desatento às nossas comuns vontades, não dotou de olhos de pombo, nem de mãos de cirurgião ainda que grosseiro. e, o que nos convinha, em rigor, era a capacidade de sermos, um e outro, modeladores de pele e aço… na estética de burilar o rosto, de esculpir estrelas e luas, de trazer o coração nas mãos
e oferece-lo
sem qualquer hesitação…

detenho-me por um segundo no desvão onde dependurei as horas pardas; descalço a alma, dispo a dor de ver ao longe um sapo a fumar um charro sem razão; e outro mais, e outro ainda, e, choro por todos quantos, das lágrimas apenas e só conhecem as de crocodilo.
pelo sapo, choro: temo que sucumba como sucumbem as vagas nas falésias, desmembradas…
(ontem ouvi ler um poema que falava da importância de saber respirar por guelras e entendi que, sem dúvida alguma, seria de todo pertinente que tal  matéria, fosse dada ao lactente, como vital suplemento, no biberão da papa, antes da primeira dentição …; é de poesia que falo, pois então…)

olho o rio e nem sei se já é mar ou apenas o busca no estuque  insalive da rebentação - o sol desceu, é quase noite, a marginal esfuma-se numa luz que cega e que a sublima, negra viúva,
ou
toupeira. toupeira em rendição …
debato-me neste conflito atípico entre a luz que engorda o fogo e a água que, sendo gota, faz o copo transbordar; estanco-o ao sabor sincopado do meu próprio coração: tic-tac, tic-tac … afago por sobre o branco da camisa o seio que se eleva, a dor que ameaça ser um AVC. sei de cor todos os sintomas
        “a diminuição da força do membro superior de um lado, o desvio da parte inferior da face e a dificuldade em dizer as palavras certas, ou nem as conseguir dizer, ao pretender falar” 
 de tantas as vezes  que as repeti… desvio a atenção, penso no seio, na pele alvíssima, no contraste  no risco,  no rosáceo do mamilo, no equilíbrio
entre
o lábio de igual cor,
e o beijo que não se vislumbra, vivido, meu amor…
e esta doença, que, duma fase assintomática, me conduziu à demência vascular…,
e, nada faz sentido ao meu redor …
agora oiço longínqua a sirene de ambulância,  agora esfumam-se os rostos e já são máscaras, agora o oxigénio que não chega, agora são as unhas, vermelhas, a ocultar o negro… acabei de chegar do paraíso …

queria ter bebido a desordem de teus olhos, devagar, repito,
acalentar-te o rosto, emaranhar meus dedos na ausência de teus cabelos, descer-te o corpo, como uma nuvem e desta ser
tal qual como a água lisa em solicitude e queda;
ajoelhar a hora derradeira ao redor do teu mundo…soletrar o teu nome, ao compasso de um arfar de fogo - anel de fogo - que apenas te protege e me desventra, ínfima, minúscula, larva ou borboleta, quando ouso lançar um olhar sobre a eternidade de um momento, escrever em cada sílaba que não escrevo, a história do mundo, numa (porque te conheço), vantagem competitiva ,e, porque jogo comigo mesma o jogo da cabra-cega, gerando em mim capacidade adaptativa,  jurei viver, 
jurei ...
mas não consigo…

se,
infinito o amor,
o regaço aberto.
o lençol de linho e o meu corpo,  ambos,
jazem escurecidos sob os raios ferozes do sol soprado na forma turva de uma enciclopédia sem palavras, reconstruída das ruínas de uma torre de babel:  reconstruo-me de um legado antigo, ao arredondar arestas  ao trigo e gerar o pão de côdea fina, onde, palavras são lâminas a lamber as minhas feridas.

queria ter-te aberto o meu peito
- esta janela de par em par -,
para que nele encontrasses o espelho de comum verdade…
esta janela, este peito que o AVC acabou de rasgar. rasgão de verbo, pretérito mais que perfeito,
escurece...
          tic-tac; tic-tac;
asas, máscara, massagem, máscara, massagem, asas, fénix
pássaro
subo 
e o mundo sem pernas para andar …
tic-tac; tic-tac...

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...