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(Maria Amélia de Carvalho Duarte Francisco Luís)

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Cinco minutos de silêncio

“Falo como quem está para perder
a ocasião do silêncio e assim se salva.”

Vitorino Nemésio, “Silêncio”

Noite. Reflicto sobre o silêncio, esta quietude onde construo e me reconstruo, no tecido das palavras, onde as ideias, coalhadas pelo vigor do dia, se alinham num puzzle em permanente construção. É no silêncio que a mente tece em tear antigo ideias, farrapos, fiapos de memórias. É aqui que estas se constroem a si próprias...

Na verdade, o ruído que trazemos dentro de nós, não nos permite cultivar este bem maior: Chama-se Silêncio.

Despojada de vestes, reconfortada sob um pijama de seda azul índigo, aqui, neste espaço cúbico, rodeio-me de silêncio no mistério de mim mesma.

De olhos copados sou apenas sentimento. Veloz rio, aluvião de margens, na senda da raiz do signo, anunciação dos tempos, sentido dos sentidos.

Neste espaço intimista, sobre a cama de nogueira vestida de algodão branco tecido em teares antigos, lençóis rematados a rendas das avós, bordados a crivo e matiz de anis, aqui, encontro o meu porto de abrigo.

Elevo a alma, abro-a ao cântico, à prece. Absorvo nos poros e por osmose este momento onde o silêncio é ele próprio a minha companhia. O silêncio, que antecede a palavra, composto de alma soprada no fole, aquecida na bigorna dos tempos.

Aqui, no silêncio, a palavra fermenta, leveda; a palavra, a parte mais visível do sujeito que eu sou. Dou-me conta que viver é “Ser" de e no tempo. É tecer fiapos de seda, teias, ateadas pelo destino, rotas de caminhar de peregrino.

Sabes .... o silêncio é a maior prova de intimidade que podes oferecer a alguém? Dois corpos distendidos na madrugada, lado a lado, fundidos no silêncio. A prova irrefutável de que se complementam. Para além deste, apenas na música conheço igual partilha. Voar numa malha de romance sem fim... sentir, apenas.

***

Ligo agora o MP3. Selecciono Piazzola - “Tango Apasionado” . Cerro de novo os olhos, deixo que o corpo se embale na magia deste tango. Deixo ...

Sinto a tua na minha mão num cruzar ritmado de dedos. E sobre os meus quadris, a outra, leve, leve... espalmada. Não, não me prende, não me trava. É suave brisa, quase um roçar de asas. Os corpos colados encontram-se, ritmados no saber e no sabor de um novo e contudo reconhecido amor antigo. Deslizas, deslizamos, sem palavras.

No silêncio melodioso desta dança cultivamos a proximidade e a ausência. No silêncio reencontramos, nos anais da história, eras, rotas, cartas sinópticas, em que a palavra, por desnecessária foi abolida.

Neste silêncio reconhecemos a Ilha que nos foi prometida, revestida entre a noite caída e a hora nova, branca, leitosa, alva – espaço cósmico da Magia.

Tacteias e encontras a chave, a secreta chave no infinitésimo fragmento de um segundo. A chave, revelação de nós, no eco e no compasso, no vibrado iluminado, harmónico, divino.

***

Cessa a música. A alma purificada encontra um agora atmosfera de graças – prelúdio de um cântico novo, espaço este onde escrevo e sou, a um só tempo, animal mudo, acoitado em cendrada hora no plúbeo manto da noite.

E de novo, no silêncio, é a nostalgia que volta e comigo chora. Enrolo-me sobre mim mesma, refundo-me em concha, sou molusco, fecho a alma no silêncio saturnino, no silêncio mais rotundo. Isolo-me em carapaça do mundo.

Silencio a voz ... solto a palavra!

“A voz é rosa roída / eu bicho roedor.”

Vitorino Nemésio – “A minha voz”

“𝕮𝖗ó𝖓𝖎𝖈𝖆 𝖉𝖊 𝖚𝖒 𝖈𝖍𝖆𝖕é𝖚”

“… palerma, chapéus há muitos”… Haver há, de certeza absoluta. Nem contesto. Mas não são meus e nunca estabeleci com eles uma relação...